Com a segunda aprovação da redução da maioridade penal aos 16 anos, na Câmara dos Deputados, cabe destacar o primitivismo penal a que estamos sendo confinados.

No texto Às margens da história (história dos grupos sociais subalternos) – com exemplo inicial em Cesare Lombroso – o pensador italiano Antonio Gramsci acentua que os criminalistas só se dedicavam ao epifenômeno da criminalidade. Lá como cá, formulavam biografias patológicas racistas e classistas e “crimes de pessoa”.

Os especialistas em crime tinham em conta o cientificismo da estigmatização física, social, cultural, religiosa (“se você se parece com um criminoso, logo você é) ou “tipos penais em branco” a serem preenchidos pelos donatários do poder ou “intérpretes do medo” (soberano-suserano).

A fim de esconder as causas do mal-estar geral – retrocesso civilizatório – aplicavam (e se aplicam) receitas penais folclóricas, míticas, patológicas e patronais (reconverter à dócil produção).

Ironicamente, apesar de meramente punitivo e primitivo (com base em testemunhos de antigos testamentos), revela-se a graça salvacionista da Terceira Lei Divina do Direito: a redenção da Humanidade (supostamente, ao capital).

O que também se confirma no puritanismo Quacker. Por outro lado, se o direito fosse visto pela história dos grupos sociais subalternos receberia outra atenção – mas essas classes são dispersas.

Gramsci ainda avalia a formação das Comunas – formuladoras de solidariedade e de união social – e que gerariam forças capazes de formar grupos compactos e partidos de direção próprios, até que resultassem na Sociedade das Armas (século XIII). Aptos para se defender, também estavam prontos para se bater com os nobres. Por este caminho, acabaram formando um espírito político-militar (p. 137).

Apesar do Estado da época ser um bloco mecânico de grupos sociais, o povo não conseguia formular leis de necessidade que não fossem restritas, inerentes, quando deveriam ser gerais e como faziam as classes dominantes.

Mesmo que o Estado não passasse de uma Federação Social, os grupos subalternos não tinham uma perspectiva hegemônica. Nesta fase, a réplica do Tribuno da Plebe não tinha como expressar-se publicamente, em discurso dirigido para toda a República.

Desse modo, com a intervenção do centralismo político sob o Estado Moderno, o direito consagrado pelo positivismo e monismo jurídico se apresentou como ditatorial (p. 139). Base esta que se mantém até hoje sob as vestes da forma-Estado de Exceção e seu “direito penal do inimigo”.

As classes subalternas, ainda que possam constituir organizações políticas de autonomia, não se reúnem como Poder Político (apenas como poder político fragmentado).

Para sua análise histórico-crítica, Gramsci indicava seis longas metas (p. 140) e se mantinha atento para o fato de que Roma e César foram conhecedores do perigo que a consciência representava para os escravos.

É este o tema dos primitivistas do Direito Penal ao retomar o velho/novo espírito cesarista: colegialidade, disciplina, corporação, hierarquia, reconstrução do mito social. Portanto, o direito sempre esteve voltado contra as classes subalternas, estabelecendo “juízos de periculosidade genérica” (crime de pessoa), quando deveria ser pautado pelo equilíbrio.

No Brasil de amplo fluxo de edição leis repressivas, com esmero, manipula-se a opinião pública emitindo-se incontáveis pareceres propícios ao populismo jurídico.

Por seu turno, o que os primitivistas do cotidiano não sabem é que Anton Francesco Doni, no século XVI, já era cáustico em relação aos prognósticos da biometria racista e criminológica (p. 143).

Enfim, ainda com Gramsci, o melhor seria (re)ler A Tempestade de W. Shakespeare, a primeira avaliação político-social do dramaturgo inglês. Afinal, se a criminalidade é um drama da barbárie, antes de ser parte de uma condenação necessária à condição humana, é resultado da barbárie social que transforma seres sociais em lixo humano (Homo sacer moderno).

Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos

Marcos Del Roio
Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília