O início do governo interino de Michel Temer encerra uma etapa do recente pacto conservador em implantação no Brasil. A posse do vice-presidente representou o triunfo da usurpação da soberania e do voto popular nas eleições de 2014. É prenúncio da tentativa de acertar os ponteiros nas eleições municipais deste ano, convertidas na primeira prova de fogo do governo Temer. Será também a meta de sua sobrevivência política se sustentar até que resultados das urnas bafejem alguma legitimidade eleitoral sobre a ruptura institucional que afastou a presidenta eleita com 54 milhões de votos.
É pouco provável que o governo Temer e seus aliados alcancem semelhante cifra de votos nas eleições municipais. Esvai-se a chance de legitimidade plebiscitária. Primeiro, eles não detêm familiaridade com as urnas. Segundo, e pela mesma razão, vai depender do quinhão eleitoral que seus apoiadores conseguirão amealhar, em pouco mais de cem dias do governo interino. Retornado, Napoleão Bonaparte não foi além disso. Temer terá maior vitalidade histórica? A ilegitimidade é a marca de nascença dos usurpadores do poder político, tatuada na pele, pode ser ocultada, mas não se apaga.
Os 180 dias de Temer não serão dias de glória e, tão pouco, rotação de 180 graus na política nacional. O ministério do governo interino de Michel Temer está formado pelos integrantes da extinta base parlamentar do governo Dilma Rousseff. Ministros, inclusive, repetidos! Serviram aos dois governantes. Em resumo, o governo Temer é o governo Dilma Rousseff piorado, expropriado do que este tinha de positivo nas esferas da cultura, do desenvolvimento agrário, dos direitos humanos e da ciência, tecnocrática, mas ainda laica. Recebeu do PSDB esparadrapos ideológicos e trovadores da globalização liberal. O banimento político de Dilma Rousseff foi estendido a todas as mulheres na Esplanada dos Ministérios.
O mandonismo político dos sem-voto e o liberalismo econômico dos sem escrúpulos não estarão a sós. A autêntica novidade do governo Michel Temer é a vertiginosa ascensão do obscurantismo cultural. Cavaleiros do apocalipse foram destacados para as áreas da educação e da cultura, ceifadas pelo casamento administrativo de conveniência que as uniu num só ministério. Na pasta da Justiça, um defensor de Eduardo Cunha. O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação nutre pouco entusiasmo pelo engenho e a razão humana. Michel Temer instaurou o reino das trevas no Brasil.