Havia um reino, bem diferente do Brasil, que se chamava O Circo de Pulgas.

Ficava próximo do Reino da Dinamarca e cujo rei, Hamlet, sempre dizia algo como: “há alguma coisa podre no ar”.

É claro que as pulgas eram amestradas e saltitavam alegres ao comando do senhorio.

Mas, a aldeia, porque o reino não era mais desenvolvido do que uma aldeia, ainda tinha muitos outros bichos.

Tinha uma fauna e flora para todos os gostos.

Tinha um lobão que virou borboleta para bater asas e sair do Reino. Como não se foi e seu tempo passou, virou barata d’água, branca e cascuda.

Na flora, destacavam-se tiriricas, ervas daninhas e urtigas.

O símbolo nacional era uma tartaruga, que contava e marcava o tempo da vida de todos.

De vez em quando (ou quase sempre, na sensação de alguns) o caranguejo infernizava a vida dos pobres: punha o relógio a andar para trás.

Em 2015, o Reino foi covardemente atacado pela aeronáutica dos mosquitos da dengue.

Um verdadeiro massacre: 5, 35, 70 mil feridos (não se tem dados confiáveis) e uma morte por dia.

Os dados eram ocultados, para não revelar a incompetência das “autoridades” e o crime de democídio, que ocorre quando o Poder Público deixa as pessoas morrerem sem fazer nada de útil.

As traças estavam no micro poder. Sua ideologia era o provincianismo.

Também lutavam as saúvas e as baratas.

As saúvas eram as pragas descritas pelo mago Monteiro Lobato. As baratas, sempre tontas, tinham a liderança de um cara chamado Kafka.

As saúvas tinham ferrões duas vezes maior do que seu próprio corpo. Trituravam e faziam virar pó tudo que podiam.

As baratas, sempre revoltadas com suas derrotas seguidas, não perdiam uma chance para planejar um golpe. Eram aliadas das traças.

Baratas e traças, dois grupelhos de poder, seguiam uma seita secreta. O “Enfastiado Fascismo” reunia-se no íntimo das pulgas, baratas e traças. Por isso, ninguém via. E só atacava no breu da noite.

Quando pensavam que tudo estava articulado para o golpe certeiro, veio a informação de que a elite do Enfastiado Fascismo estava presa no Mar de Lama. Caíra um grande pajé: o Sr. Anestesia.

O Mar de Lama era uma região habitada por muitos, e por muitos séculos. O problema é que tinha visgo no fundo, prendendo indefinidamente os incautos que por ali caíssem. Era uma pena natural e cruel para o maior dos crimes hediondos: o de fornicar com a moral pública.

Como estava banido da normalidade do Reino, ali vigia outro regime político: o limbo jurídico.

Ainda tinha uma multidão que só assistia toda a panacéia: as antas gordas e os macacos de auditório.

Sempre achincalhados, pela direita e pela esquerda (na sua parte fajuta), os cupins colocavam dúvidas na seriedade dos atos políticos.

Os cupins acertavam mais as baratas, porque eram rancorosas, rançosas, contagiosas e reacionárias. Numa palavra: golpistas.

Mas, os cupins – removedores de meias-verdades (= mentiras inteiras) – eram minoria. Os contra-ataques vinham da proa e da popa do poder insignificante.

O pior de tudo, no entanto, é que nesse fogo cruzado poderia dar zebra.

Se tudo saísse errado, as hienas caras pintadas – agora com camisas pretas – seriam convocadas diretamente da caverna militar.

Antes da tragicomédia, num belo dia, apareceu um sujeito chamado Leonardo Da Vinci e ofertou um livreto intitulado Bestiário, fábulas e outros escritos. Era um sábio pândego que contava o seguinte:

Avareza: “o sapo alimenta-se de terra e está sempre magro porque não se enche; tamanho é o temor de que a terra lhe falte”.

Prudência: “A formiga, por natural conselho, provê-se no verão para o inverno, matando as sementes colhidas, porque não renascem; e delas depois se alimenta” (p. 18).

Falsidade: “A raposa, quando vê algum rastro de garça ou gralha ou aves semelhantes, deita-se logo no chão, com a boca bem aberta, parecendo morta, e essas aves pretendem bicar-lhe a língua e ela corta-lhes a cabeça” (p. 19).

Escorpião: “A saliva cuspida em jejum sobre o escorpião mata-o. Igualmente a abstinência da gula expulsa e mata as doenças que da gula dependem e abre caminho às virtudes” (p. 26).

Lagarta: “A lagarta, que por meio do continuado estudo de tecer com admirável arte e delicado trabalho à sua volta a nova habitação, sai depois dela com belas e coloridas asas, com estas erguendo-se a voar para os céus” (p. 27).

Aranha: “A aranha gera de si mesma a artificiosa e engenhosa teia, a qual em recompensa lhe entrega a presa que apanhou” (p. 27).

Doninha: “esta quando caça ratos, come primeiro arruda” (p. 36).

Camaleão: “Este apanha sempre a cor da coisa onde pousa; por isso, juntamente com os ramos onde pousam, muitas vezes são devorados pelos elefantes” (p. 37).

Lealdade: “…Amor, temor e reverência: escreve isto nas três pedras dos grous” (p. 37).

A rede: “A rede, que costumava apanhar os peixes, ficou presa e foi levada pelo furor dos peixes” (59).

O fogo e a vela: “O lume é guloso fogo sobre a vela. Ao consumi-la consome-se a si mesmo” (p. 59).

O papel e a tinta: “Vendo-se o papel todo manchado pela escura negridão da tinta, fica irritado; e esta mostra-lhe que são as palavras por ela escritas a razão da conservação dele” (p. 59).

No Reino, esperava-se um marmitaço para 15/03. Um pouco mais e seria 1º de Abril – como fora no passado recente da sua história política. Era celebrado como o Dia Plurinacional da Mentira. Houve até desfiles cívicos.

Nessa época e em todas as épocas, no Reino de Pulgas, cantarolava-se o Hino Nacional puxado pelas hienas: “Amigos e inimigos; aos inimigos o rigor da lei”.

Também previa-se uma pandemia, com ataques externos do odioso capital internacional.

Pra piorar, marimbondos pestilentos, do grupo Peceçoca, fustigava o poder e matava os cidadãos.

Com tudo isso, a casa de apostas não fechava nunca, igual à inflação e às tratativas de golpes, 24 horas no ar, sete dias por semana.