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Quase 80% das prisões de inocentes do país foram feitas no Rio

Quase 80% das prisões de inocentes do país foram feitas no Rio


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O caso do encarregado Alberto Meyrelles Santa Anna Júnior, de 39 anos, solto nesta segunda-feira após 20 dias preso acusado de ter participado de um assalto em 2019, após ter sido reconhecido em uma foto 3×4 , exemplifica o que os números comprovam. Relatórios da Defensoria Pública do Rio e do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais (Condege) apontam a existência de falhas no reconhecimento fotográfico em delegacias do país. De 2012 a 2020, foram realizadas ao menos 90 prisões injustas baseadas no método. Dessas, 73 no Rio. Quase 80% dos casos.

“O reconhecimento, seja ele pessoal ou fotográfico, não pode ser a única prova. É preciso de mais comprovações. Quando ele acontece, as autoridades que buscam a punição criminal de alguém já se satisfazem e não dão continuidade às investigações. É o que percebo”, afirma o defensor público Maurício Saporito, da Bahia, que coordenou a Comissão Criminal Permanente do Condege na época de realização da pesquisa.

Durante o levantamento de casos, que durou cerca de um mês, Saporito lembra as várias incongruências em reconhecimentos e cita alguns deles.

“Encontramos casos onde o acusado estava preso na época do crime. Em outro, o suspeito era monitorado com tornozeleira eletrônica que mostrava uma localização completamente diferente. Houve ainda um episódio onde o suspeito estava no exterior e foi reconhecido como criminoso. Sabe-se que esses casos se limitam a um recorte racial e socioeconômico. São provas que demonstram a falibilidade do sistema”, detalha ele.

Do total de casos, 79 contam com informações conclusivas sobre a cor de pele dos acusados, sendo 81% deles pessoas negras. Para o defensor, os estudos revelam não só um racismo estrutural como também a necessidade de um olhar mais cuidadoso para os processos dentro desse contexto.

“Sabemos onde a polícia busca quem perseguir. Ainda mais em crimes de rua, que mais afetam o senso de segurança pública. É na população mais carente. É como se fosse uma retroalimentação. Quem vai ser reconhecido é aquele que passou pelo sistema jurídico penal, seja uma simples abordagem policial. E será assim, infelizmente, enquanto não pararem de perseguir sempre os mesmos. Afinal, é a carne mais barata do mercado.”

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Entre os 90 casos levantados pela pesquisa, a maioria das acusações foram por prática de roubo. Porém há quatro casos de homicídio e um furto. Com relação à prisão preventiva, há registro de 69 casos em que houve sua decretação, o que corresponde a aproximadamente 77% do total. A pesquisa também levantou o tempo médio em que o acusado permanece preso preventivamente de forma injusta: 268 dias, cerca de nove meses.

Alberto Meyrelles Santa Anna Júnior, que estava na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, garante que é vítima e não acusado. No dia do roubo do qual é suspeito, ele também teria sido assaltado e tido os documentos levados pelos criminosos. No último domingo, a desembargadora Kátia Maria Amaral Jangutta, da 2ª Câmara Criminal do Rio, determinou a soltura dele, após um pedido de habeas corpus feito pela defensoria.

Santa Anna Júnior foi acusado de ter participado de um assalto no dia 13 de abril de 2019, em Bangu, na Zona Oeste do Rio. A prisão ocorreu depois do reconhecimento de uma foto 3×4 por uma vítima. Ele diz que foi um erro na investigação e sua família tenta provar sua inocência.

“Apesar de afirmarem que são casos isolados, não são. É sempre a mesma história. É um absurdo submeter alguém a um processo penal, mesmo que não haja prisão, por reconhecimento de foto e deixar essa pessoa por 20 dias dentro de um cárcere no Rio de Janeiro”, lamenta Saporito.

Em fevereiro, o “Fantástico”, da TV Globo, foi o vencedor do Prêmio Latinoamericano de Jornalismo Investigativo (Ipys) com uma reportagem especial sobre o catálogo de suspeitos que mostrou histórias de pessoas que tiveram suas fotos colocadas de forma errada em catálogos de suspeitos em delegacias. Depois da reportagem, o Senado aprovou um projeto de lei que muda as regras no reconhecimento de suspeitos tornando obrigatória a identificação presencial, com pelo menos outras duas pessoas com características parecidas, e também impede condenações baseadas apenas no reconhecimento por foto. O projeto está na Câmara de Deputados e, se aprovado, precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro.