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Quase inimiga por causa de um beijo

Quase inimiga por causa de um beijo

Estive longamente pensando sobre as consequências de um beijo. Lembrei-me de alguns deles: o beijo de Judas — o mais famoso da história humana — que o levou a trair Jesus para cumprimento de profecia do próprio traído; recordei os beijos do Conde Drácula, que subjugava suas vítimas e as transformava em vampiro; veio-me também à mente o romance “O beijo da mulher aranha”, do argentino Manuel Puig, que virou o filme américo-brasileiro, de título homônimo, dirigido por Héctor Babenco, cineasta argentino naturalizado brasileiro.

Neste devaneio infindo, revi mentalmente cenas de filmes cujos beijos marcaram para sempre a vida dos seus protagonistas, o que me levou a fazer esta crônica, a partir de beijos reais, beijos imaginários e beijos pretendidos (e/ou concretizados), como o primeiro beijo apaixonado entre Scarlett O’Hara (Vivien Leight) e Rhett Butler (Clark Gable) no longa metragem estadunidense “E o vento levou”, dirigido por Victor Fleming:

— Me beije, Scarlett! Me beije! — diz Gable.

Dentre tantos e tantos beijos famosos ou não, que levaram muitos anônimos ao estrelato, recordei também os beijos do escalafobético lusitano, José Alves de Moura, o Beijoqueiro, apelido cunhado pela imprensa brasileira. E, por último, pensei nos beijos dos poetas. Ah, os poetas! Aliás, poeta não beija, oscula… Será mesmo?!

Mário Quintana, solenizado e sensibilíssimo poeta gaúcho, de Alegrete, acerta em cheio ao afirmar categoricamente: “Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem. / Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela… / […]”.

E por falar em poeta, aqui entro na história, quando me vi determinado a oscular alguém que me havia levado a infindas “viagens”. O beijo que o impulso me moveu não é o de Judas. Por certo, o de Drácula, não para transformar minha “vítima” em vampiresa e subjugá-la, porém, fazê-la minha amante, minha amada. Só isso! E este desejo crescente inspirou-me a rascunhar estas trovas:

E se de manhã te vejo
eu só penso em ser feliz,
de ti roubar mais um beijo,
fazer o que sempre quis.

A tua boca, meu bem,
só me desperta desejo,
e nem sei se me convém,
porém, vou roubar-te um beijo.

Ainda fiz outras composições trovadorescas que prometiam levar adiante o firme propósito de beijar esse alguém, sem jamais pensar em consequências maiores que não fosse selar um grande amor:

Quanto mais negas teu beijo,
meu desejo multiplica,
aproveitando esse ensejo,
passa tudo e ele fica.

Por mais que promessa faça,
meu sonho não vai mudar.
Vou cumprir tal ameaça:
um beijo teu vou roubar.

E assim o fiz: roubei… Beijei-a como se o fizesse pela última vez, como se aquele beijo me redimisse de grande erro. Promessa cumprida. Estava a salvo. Senti-me aliviado e certo de que houvera conquistado meu grande amor. No entanto, “o tiro saiu pela culatra”, concluí logo em seguida.

Conquistei, sim, uma quase inimizade. Esse alguém ficou por um bom tempo sem comigo falar, o que me levou, nesse ínterim, a ponderar. Refletir sobre o que houvera feito de tão reprovável para merecer tão ingente castigo. Judas, por Cristo foi perdoado, e olha que ele o traiu. E eu apenas tentei conquistar minha musa.

Meditei… meditei… o que me levou à seguinte conclusão: o erro cometido foi haver me comportado como incipiente poeta, em vez de beijá-la, osculei-a. A pensar assim, talvez volte à carga, para que esta despretensiosa crônica possa ter o título por mim desejado: “Amantes por causa de um beijo”.