É um tema espinhoso e foi debatido por praticamente todos os clássicos nacionais da sociologia. De fato, há pouco consenso. Debatem-se avanços e retrocessos estruturais, legais e econômicos em seu favor ou no contravapor.

Para os que defendem uma efetiva revolução burguesa no país, há o argumento básico de que o capitalismo é fumegante, com níveis crescentes da exploração da classe trabalhadora e dos demais produtores sociais.

Negativamente, diz-se que procedemos aos trancos e barrancos por um tímido e titubeante liberalismo. Nos dias que recorrem ao Estado de Emergência inconstitucional, sobram motivos para se atacar a incompletude de nossa obra: monumental no território e nas adversidades culturais.

Particularmente, penso que não fizemos a tal revolução burguesa. Na melhor das hipóteses, e de acordo com as piores escolhas de um passado bem falante, estamos no auge de uma revolução burguesa incompleta, insatisfeita, insípida para os pobres.

Como não se trata de uma tese de doutorado, arrisco alguns palpites. Primeiramente, somos colonizados por uma mentalidade escravista. Vemos isso no racismo, no machismo doentio, na exploração do trabalho reduzido a condições análogas à escravidão – inclusive em obras públicas.

Na mesma seara existe um preconceito de “raça” que se revolta contra o pagamento de direitos mínimos ao trabalho doméstico. Como se tivéssemos várias raças humanas, ao gosto dos cães, pobres e negros são assim soterrados pela Casa Grande.

Ao que se insere um total Estado de Exceção nas comunidades pobres e marginalizadas, e que só veem o Estado de Direito acionado pelo giroflex das polícias. A redução da maioridade penal é um mero degrau do Estado Penal contra os famélicos.

Exemplo ainda mais evidente de um Estado Patrimonial – que distribui favores e benesses aos já apaniguados do capital hegemônico – vê-se na desregulamentação necessária às agências financeiras, para que obtenham taxas de lucros galopantes.

No interior do próprio Poder Político – atuando como casta ou estamento – servidores públicos recebem contracheques três ou quatro vezes acima do permitido pela Constituição. Evidenciando-se, portanto, um Estado Ilegal no interior da própria “normalidade” institucional capitalista. Não deixa de ser um Estado Passional.

Não é de se estranhar que esses gestores tenham imensa força política dentro da máquina legislativa e no Judiciário, para aprovarem medidas legais de custeio a suas funções burocráticas; na maioria das vezes impeditivas de mudanças sociais.

Os melhores técnicos legislativos estão a postos para manter o presidente da Câmara no poder. Este que é réu confesso em processo crime na Suprema Corte. Com algumas exceções de foro, dir-se-ia o mesmo da presidência do Senado Federal.

São castas ou estamentos que se regem pelos interesses dos grupos hegemônicos do capital, mas que podem atuar como classe social no divisor de águas da luta política. Quando se fala em divisão social, neste país, temos de incluir as nomenclaturas de classes, frações, grupos, camadas, segmentos, estratos. E estamentos e castas sociais.

Por fim, no texto de hoje, a assim chamada Bancada BBB (Boi, Bala, Bíblia) aprova de roldão, em total desenvoltura legislativa, restrições e negações dos direitos fundamentais; quer seja na demolição do parco Estado Laico, quer seja na mitigação dos direitos trabalhistas e do conjunto complexo dos direitos humanos.

À ação da bancada BBB, some-se os excluídos do processo civilizatório pelo ganho real dos Bancos: o lumpemproletariado. Além do poder soberano que se deposita nas mãos dos homens mais ricos do país. Financiadores do impeachment presidencial, e no controle do monopólio de Bebidas, os donos da Ambev fecham o “Ciclo dos Bs”.

Este é outro traço – dominante, diga-se de passagem – da nossa cultura da torpeza. Também por seu efeito societal generalizado, gestamos um tipo sociológico esquizofrênico, patológico, perverso: o liberal-reacionário transita pelas classes sociais, mas se afirma nos grupos de poder hegemônico. Ou seja, somos “brasil”.