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Saga da vacina - Primeira dose: O senhor é idoso?

Novais Neto sendo vacinado. Foto: Lara Novais. 2021
Novais Neto sendo vacinado. Foto: Lara Novais. 2021

Primeiro de abril, tradicionalmente, “dia da mentira”, foi para mim “dia da verdade”, pois tomei a primeira dose da vacina contra nefasto vírus que a (quase) todos amedronta e que já ceifou precocemente muitas preciosas vidas.

Não seria meu dia de vacinação caso levasse em conta a idade, 63 anos, contudo, por enquadrar-me em grupo prioritário definido pela Secretaria Municipal de Saúde de Salvador: policiais militares e civis, bombeiros, guardas municipais, agentes de trânsito, dentre outros, acima de 50 anos, na ativa, poderia ser vacinado.

Fui de carro com minha filha Lara Novais, biomédica, para o Estádio Metropolitano Governador Roberto Santos, mais conhecido por Estádio de Pituaçu, atrás da tão desejada imunização. Ao apresentar-me a uma profissional que fazia a triagem, ela nos cumprimentou e foi clara e objetiva na pergunta:

— O senhor é idoso?

— Sim, senhora — respondi cordialmente.

A atendente então se virou para um cidadão que estava em uma mesa um pouco afastada e lhe disse: “ele é idoso”. Não ouvi a resposta dele, porém ela assim me disse:

— O senhor é idoso, não é hoje, não — e simplesmente sentou-se numa mesa, não nos dando mais atenção. Entretanto, insisti:

— Respondi que sou idoso, porque foi esta sua pergunta, mas sou profissional do grupo convocado — e ela retrucou:

— O senhor disse que é idoso, não disse que é profissional.

Mesmo assim me pediu contracheque e carteirinha funcional, conferiu e me encaminhou para outra profissional que iria aplicar a vacina. Antes de sair, no entanto, deixei-lhe gentilmente este ensinamento popular: “Se quiser ouvir a resposta certa, faça a pergunta correta”.

Quanto à atendente responsável pela aplicação da vacina, de prenome Consuelo, foi extremamente gentil, atenciosa, graciosa, sobretudo profissional. Fez tudo “no padrão”, como costumamos dizer.

Finalmente, “quase” não seria vacinado pelo simples fato de ser idoso! E num 1º de abril. Quem iria acreditar?

Segunda dose: Sou esquecido.

Bem mais tranquilo, por haver tomado a primeira dose da tão pretendida vacina, teria que esperar 28 dias para receber a dose de reforço, que deveria ser agendada, com hora marcada, por determinação da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, no site do Órgão.

A agenda para marcação, segundo a Secretaria, abriria toda sexta-feira. No dia certo, tentei marcar para 29/4/2021, como está no meu cartão de vacinação, mas não havia vaga disponível. Agendei, então, para 27, já que também não foi possível para o dia 28, sem qualquer rejeição por parte daquela página digital.

No dia agendado, fui ao posto de vacinação. Entretanto, quando a atendente fez a conferência, informou-me que eu não poderia antecipar o dia, portanto, não poderia receber a segunda dose. Resignado, voltei para casa e remarquei para o dia 30 do mesmo mês, no horário das 15 às 16 horas.

Para evitar qualquer imprevisto, cheguei uma hora antes e fui atendido por um senhor que fazia a triagem. Ele apontou para um guichê onde deveria ser atendido. Quando me pediram os documentos, constatei que não havia levado o cartão de vacinação e fui informado de que não poderia ser imunizado.

Decepcionado, cabisbaixo, fui saindo, quando o mesmo senhor que fez o pré-atendimento perguntou o que havia acontecido. Contei-lhe o ocorrido e ele foi muito sensato, prestativo e contundente:

— A falta do cartão não é motivo para deixar de ser vacinado, não. Já pensou? — e completou:

— O senhor disse que esqueceu. E se tivesse mentido, dizendo que perdeu ou foi roubado, iria ficar sem a vacina também? Eu vou procurar a enfermeira — e tomou-me os documentos.

Minutos depois, voltou e pediu-me para aguardar que seria atendido. Uma funcionária, que não a enfermeira, atendeu-me e apenas reforçou que eu teria que apresentar o cartão, obrigatoriamente, do contrário, não poderia tomar a segunda dose.

Saí da sala, nesse jogo de empurra, e fui falar com meu anjo da guarda, de carne e osso, que ficou indignado com o tratamento a mim dispensado, e argumentou como se confessasse:

— Já vi tanta gente tomar vacina aqui sem o cartão, porque perdeu, porque esqueceu… Vou lá, de novo — foi e voltou, garantindo que a enfermeira, chefe do posto, iria ela mesma me atender.

Sem muita demora, agora, fui atendido pela referida servidora municipal, que me deu um esculacho, um “sabão”, dizendo que não poderia me atender, que deveria ter trazido o cartão, coisa e tal. Não contra-argumentei, fiquei apenas a ouvi-la, afinal, o errado na história era eu!

Houve um momento, quando ela me entregou os documentos dizendo que não poderia me atender sem o cartão, que tentei uma solução, busquei uma alternativa e expus para ela:

— Como moro perto e ainda não está no meu horário agendado, falta mais ou menos uma hora, vou tomar um táxi e pegar o cartão em casa, mas gostaria de ter a garantia da senhora de que, retornando no meu horário de atendimento, serei vacinado.

A servidora refletiu bem, buscou confirmar no site da Secretaria se eu havia tomado a primeira dose mesmo, o que de fato aconteceu, tirou foto do lote do imunizante em mim aplicado, da tela do computador, enviou para uma colega e pediu-me para aguardar em lugar apropriado, fora da sala.

Momentos depois, tudo confirmado conforme eu havia dito, novo cartão foi confeccionado, novo “sabão” tive que ouvir, mil recomendações quanto à guarda do precioso documento, e eu apenas a acenar concordantemente com a cabeça, afinal, quem mandou esquecer?

Por fim, tomei a segunda dose do tão desejado imunizante, tudo certinho, como manda o figurino, restando-me agradecer a todos que me atenderam, principalmente a meu primeiro atendente que se compadeceu de mim e confessou-me, sorridente: “eu também sou é esquecido, do jeitim do senhor”.

Resumo da minha saga vacinatória: na primeira dose, eu tremi, mas fui imunizado; na segunda, quem tremeu foi a foto, tirada por mim, mas fui vacinado, e assim, um final feliz concretizou-se.