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Teoria e prática, uma viagem pelo conhecimento do século XXI

Por que é tão difícil unir teoria e prática? Muitos se perguntam e eu também. Suspeito, inclusive, que a resposta à pergunta é tão difícil quando unir teoria e prática, propriamente falando, ou simplesmente por a teoria na prática. Ao que alguns denominariam de “práxis” – quando teoria e prática não estão descoladas da realidade –, e quando a prática é transformadora.

Mesmo os grandes gênios têm dificuldade em definir o distanciamento aceitável entre os dois planos e, obviamente, em (re)atar teoria e prática. Pode-se dizer que a teoria provém da prática; o que não está de todo certo e nem totalmente errado. Pela prática temos a oportunidade de checar nossos pensamentos, formulações e leituras da realidade. A prática permite avaliar a teoria.

A prática permite corrigir a teoria – e toda teoria deve obrigatoriamente ser ajustada, redefinida diante da prova que recebe do real. Quando “uma suposta teoria” está longe da realidade ou a expressa somente em parcelas que interessam a uns poucos ou a um grupo determinado, chama-se ideologia.

Assim, vê-se que nem sempre a ideologia é uma “mentira”, posto que se retrata, recorta-se uma parcela da realidade, algumas evidências direcionadas a atender aos interesses de determinados grupos de poder. Se a ideologia apresenta evidências, resta à teoria diagnosticar com clarividência.

Em todo caso, é preciso lembrar que a teoria direciona ou informa a prática. Ninguém vai ao plano da ação com a cabeça vazia, como se fosse uma tábula rasa sem impressões e significados relevantes angariados anteriormente. O pressuposto do liberalismo clássico, da mente vazia a ser preenchida, é um erro epistemológico imperdoável e mascarador dos reais interesses do poder.

Na escola, aprendemos teorias que intentamos (ou não) por em prática; seja na física quântica ou clássica, seja nas Ciências Sociais e na Filosofia. Mesmo no caso da física há um “choque” de teorias; como é precisamente o caso da física clássica e da física quântica.

Ambas estão corretas no seu modo de nos apresentar o mundo, o problema é que ainda nos falta um conhecimento adequado/aprofundado da física que unifique as duas apresentações da realidade.

Além disso, temos de contar com a Teoria do Caos – também na representação física da realidade – e que já traz alguns “pontos” de unidade ou “outros-nós” para o grande novelo que é o mundo. Por sua vez, esta Teoria do Caos nos empresta três valiosos recursos para abordar o movimento (crises cíclicas) do sistema capitalista:

Entropia (luta de classes).
Imprevisibilidade (não-dogmatismo).
Superação/para além da acomodação (revolução).

Do que podem resultar duas breves conclusões teóricas: 1) “há ordem no caos”; 2) não há determinismo. Note-se ainda que a imprevisibilidade não anula a teleologia (“aposta no futuro”), mas a coloca no centro do presente. Mudar a realidade, revolucionar os paradigmas societais e do conhecimento.

Ao largo do conhecimento positivista – o mundo tende a se tornar matematizável – ocorrem descobertas inesperadas. Muitas vezes o objeto do conhecimento se manifesta onde menos se espera. A ciência e as teorias tanto são resultado do rigor analítico, quanto da imprevisibilidade, da descoberta, do achado fortuito.

O fato é que quando olhamos a realidade ou nela (inter)agimos, algo sempre se modifica: quando observamos a realidade para captá-la, descrevê-la, compreendê-la ou interpretá-la, nós já estamos nos modificando em relação ao início da operação do conhecimento.

Isto é, nossa visão de mundo já terá se modificado e, do mesmo modo, o corpus teórico que carregamos e, com isso, transformam-se tanto os pacatos observadores quanto os “militantes do real”.

Quando utilizamos da teoria predecessora, a que nos acompanhava antes de sairmos de casa, e já mais ou menos modificada pelo olhar que lançamos ao entorno físico ou social – exatamente com o intuito de modificar a realidade captada em primeiro lugar pela teoria validada e aceita por nós –, diz-se que o conhecimento resultante “apreendeu o real”.

Trata-se, neste caso, de uma compreensão capaz de modificar a realidade que nos conforma e na/sobre a qual agimos com a consciência da necessária modificação. As pessoas podem modificar suas vidas, assim como “a humanidade – até hoje – superou todas as suas graves contradições”.

Sem nunca esquecer que a realidade é dinâmica, mudando-se com a história das in(ter)venções humanas, a teoria (como não-ideologia) assim posta deve observar constantemente as modificações societais. Daí que a prática subsequente deverá ser (re)direcionada pela teoria já transformada pela ação prática.

Esta transformação provocada pelo “choque de realidade”, por sua vez, produzirá novo conhecimento. As informações trazidas pela prática, e sedimentadas pela teoria, sucessivamente, transformarão informações (do real) em conhecimento teórico e prático.

Isto é, a essência da realidade será observada sempre em razão do passado retido na teoria (história); pois, a realidade momentânea, e que exige a intervenção prática, revela-nos poucos aspectos de sua natureza e dos seus reais significados. Quando olhamos para o presente, a teoria consolidada no passado (ontologia) indica “pontos” do real e “outros pontos” em que a teoria se ajusta ou não.

O que ainda nos leva a pensar que se afastam dessa leitura, entre teoria e prática interligadas, tanto o decisionismo – agir porque tem de agir – quanto o teoricismo: teorias que se baseiam na neutralidade e na objetividade desmesurada do conhecimento.

Já a teoria como prática revisitada nos revela o “reconhecimento”: conhecer sempre a realidade, mesmo em andamento e em modificação, a fim de que o conhecimento seja a essência da validação, a legitimação das “novas” formulações teóricas e das práticas transformistas.

Reconhecimento como “conhecer de novo”, entendo-se que a realidade que se modifica pela dinâmica social sempre será “nova” ou, no mínimo, apresentará novidades. A teoria checada na práxis (prática transformadora) reconhece as mudanças reais e significativas; a ideologia “rei-conhece”. A ideologia transforma o real (e as pessoas) em coisa, coisificando-nos (res).

Por isso, a teoria que se movimenta e se refina com a prática é o avesso da ideologia: uma quer revelar, desvelar a realidade; a outra, encobri-la. Contudo, novamente, retornamos ao dilema: muitos dos maiores gênios, assim como muitos de nós, imbuídos de teorias válidas (validadas) e honestas – do ponto de vista da produção do conhecimento –, ao aplicarmos a teoria, na prática, muitas vezes, distorcemos a realidade a fim de efetivar os objetivos.

Veja-se que não se trata de “mera ideologia”, uma vez que a teoria distorcida por alguns de nós fora construída a partir de práticas bem-sucedidas (práxis, portanto). Então, por que conosco não deu certo?

O senso comum dirá que a teoria na prática é outra. Porém, aí está um grave erro epistemológico: na formulação do conhecimento, de suas premissas. Pois, se a teoria na prática for outra, é porque não se trata de teoria e sim de ideologia (ou demagogia). Pois bem, como sair desse novelo enroscado? Vivendo e aprendendo, testando, diriam nossos avós.

Nesta fase, errar ainda é permitido. Todavia, nem sempre será, pois os danos seriam irreversíveis, necessitando-se a aplicação imediata dos Princípios da Cautela, da Prevenção e da Precaução.

Quando o erro ainda é admissível, o empirismo é necessário e aprendemos com os próprios erros: como a criança que não coloca o dedo na tomada duas vezes. Veja-se: não se diz “aprender com os mesmos erros”, uma vez que se supõe não ter aprendido nada.

Este aprendizado entre teoria e prática será infinito, um verdadeiro “aprender a aprender”. Vê-se, assim, que a teoria é companheira da prática testada e aprovada. Seguido-se de um “aprender a apreender”, quando tentamos/testamos e alteramos ou certificamos o rumo das ações: como faz o timoneiro. Quem “apreende”, toma para si. Neste caso, toma-se para si o conhecimento validado pela prática social da transformação.

O guia, o líder, o timoneiro, é aquele que corrige a ação e retira dali a orientação teórica, formulando novos aprendizados para o grupo: o teórico, digamos assim. Todavia, se ele volta à realidade corrigindo a teoria em meio às novas ações – dessa vez sem os erros primários –, não será apenas um teórico ou não será um teórico de gabinete.

Em suma, o timoneiro que quer “aprender a apreender” a realidade (tomando-a para si e para os outros), faz da teoria uma práxis: um conhecimento com a intenção pré-programada da necessária alteração ou transformação do real.

Portanto, neste entrelaçamento entre teoria e prática – que não seja ideológica – também nos permite visualizar uma forma realista de transformação das informações cotidianas ou sistêmicas em conhecimento político. E, na sequência do raciocínio argumentativo, mais uma vez teoria e prática podem/devem se ajustar.

Esta “evolução” do pensamento analítico/científico – da própria racionalidade humana – é incontestável, e ainda que em alguns períodos históricos as formas-ideológicas predominem sobre as avaliações científicas.

Pela evolução, é crescente a racionalidade provocadora, sobretudo, de uma desmagificação do real (desencantamento do mundo) ou “perda da aura”. Tal qual a ideologia fascista, involutivamente, ameaça todo o processo civilizatório.

Neste curso, o desencantamento equivale, em um exemplo simples, à passagem da alquimia à química moderna (ou das hordas ao Estado Moderno: a soberania popular ao invés da sharia).

Outrossim, o tecnicismo e a reprodutibilidade, uma espécie de copia/cola nas ações e nas relações sociais, trouxeram-nos um sentimento de desencanto, de quase não-reconhecimento do humano.

Os homens – o humano-genérico – são atributos/meios do sistema maquínico e, portanto, servimos (in)conscientemente a uma matrix. O Estado de Direito submete-se, subsume-se às máquinas de poder. Ou seja, caminhamos entre evolução e “involução”.

Mas, em (eterno) retorno ao Princípio da Contradição, é a mesma Matrix que nos legou a Inteligência Artificial, computacional, capaz de operacionalizar cálculos matemáticos – portanto previsíveis da realidade – capazes de predizer o tempo de cada dia.

Neste novo paradigma, o conatus – justaposição entre os sentidos humanos e o conhecimento – não é mais suficiente. Sem as máquinas, o conhecimento do mundo não é mais predizível, realizável: “o inteligível não é mais o sensível”.

Por fim, acerta quem crava na certeza de que a técnica evoluiu muito mais do que ética – ou dela se desvinculou. Talvez no mesmo curso histórico que deixou de legado um direito livre da moral.

O que se apresentou aqui no texto é a teoria consagrada (práxis) do pensador alemão Karl Marx. Mas, igualmente, fez-se uso do filósofo Francis Bacon, da Filosofia Política clássica, da Grécia antiga, da sociologia compreensiva, um pouco do método indutivo de Gaston Bachelar e até mesmo do chamado funcionalismo.

Passamos pelo pensamento clássico de Maquiavel, Hobbes, Comte, Rousseau, Darwin e Weber, e alguns outros contemporâneos: Benjamin, Deleuze, Guatari, Virilio e Lévy. Na física, estão Newton e Prigogine.

Em complemento, de Locke chegamos a Thomas Kuhn. A ciência e o corpus teórico se modificam tanto na observância da estrita separação entre objeto e sujeito de conhecimento (procedimentos das exatas) quanto na imponderável aplicação do Método da Serendipidade: do positivismo ao anarquismo científico.

Da condução rigorosa de variantes, ao fenômeno descontrolado em que o objeto diz ao sujeito o que é – e sem que se tenha indagado sobre qualquer coisa. Esse anarquismo científico, entre tantos exemplos, trouxe-nos a Coca-Cola, o velcro.

Nas Ciências Sociais, aprendemos a ver onde não víamos: a bricolagem estava no Período do Neolítico tanto quanto na vida comum do homem médio: cortar o tampo de uma mesa para fazer duas prateleiras é pura razão (ciência) quanto descoberta, invenção. Além disso, avançamos na Teoria do Conhecimento, na Teoria Política clássica e na Teoria Geral do Estado. Encontramos Lévi-Strauss.

Também está implícita a perspectiva de que os movimentos sociais organizados e populares são mais profícuos na articulação entre teoria e prática, além de considerarmos que os partidos políticos revolucionários têm a vanguarda do processo; unindo-se o homo sapiens ao homo faber, como diria o pensador italiano Antonio Gramsci.

“A Prudência provará seu valor, diante do furor especulativo e pragmático”. Este que é um lema de Nicolau Maquiavel – empregando o poeta Petrarca na criação da Ciência Política – seria replicado em momentos de grandes e de graves transformações: “o pragmatismo é uma doença infantil da paixão política”.

E como a realidade não tem fim, esta corruptela do lema teórico-transformador, revolucionário, do pensamento de Lênin, pode/deve ser empregado como crítica ao pragmatismo jurídico do século XXI.

O homem da ação deve ser o mesmo homem do pensamento; o intelectual orgânico deve ser o trabalhador politizado. O intelectual deve estar organicamente, “essencialmente” vinculado à produção societal, visando sua constante transformação humanitária, ou será um eterno produtor de ideologias e de falseamentos da realidade.

Portanto, neste entrelaçamento entre teoria e prática – que não seja ideológica –, o conhecimento supera ou se livra do empirismo – e a teoria que surge é crítica das práticas anteriores e de si mesma: empiriocriticismo.

O movimento de transformação do conhecimento ainda nos permite visualizar uma forma realista de transformação das informações cotidianas ou sistêmicas em conhecimento político: articulado e transformista.

Obviamente, aqui não são retratados os cínicos, os mentirosos, ilusionistas, ideólogos, hipócritas. Esses não têm desvio no “olhar”, na teoria, mas sim no caráter. O primeiro foco – positivo – da análise realça a natureza do Político. As últimas considerações, pejorativas, consideram a imensa maioria dos políticos profissionais e/ou dos seus asseclas.