Tiririca e a vida mais feliz

 

A reeleição de Tiririca para deputado federal nas eleições do ano passado foi motivo de chacota, censura e execração em vários circuitos. Profissionais liberais, jornalistas, professores, congressistas, externaram, em rodas e redes sociais, argumentos críticos e juízos de valor, condenando eleitores, dirigentes partidários, o partido pelo qual Tiririca foi eleito, além do próprio candidato, uma vez mais, consagrado nas urnas. Eu não compartilho de tais avaliações e sentimentos. O significado das sucessivas eleições de Tiririca merece ser examinado em perspectiva histórica e sociológica. O voto de protesto e a rejeição ao sistema político brasileiro não sustentam a sua numerosa votação. Esta foi expressão da identificação autêntica entre os leitores e o candidato.

 

A cara do Brasil

Antes de ser exceção ou ponto fora da curva, como gostam de dizer os analistas empolados, Tiririca nos recorda a cara do Brasil na segunda década do século XXI. Ele ostenta na face evidências da discriminação e da desvalorização social, todas bastante conhecidas da maioria dos brasileiros. A falta de dentes, a pobreza, a tez mestiça, o sotaque nordestino, a simplicidade espontânea de quem vive do trabalho duro e áspero. A sua atividade profissional também nos remete ao duplo sentido, real e figurado, do palhaço. A evasão e a negação da realidade cotidiana, social e política, parlamentar em especial, compõem a fantasia onírica que seduz milhares de pessoas e arrasta eleitores. Excluído da cultura letrada – suspeitou-se até da sua alfabetização – Tiririca testemunha a força que a cultura audiovisual desfruta na sociedade brasileira, pois intrínseca a ela.

 

Mais um palhaço no seu carnaval

A condição social e profissional de Tiririca responde pela identificação quase que instantânea da população e do eleitorado. Ele traduz em gestos, palavras e comportamentos, a esperança e a alegria dos que sonham com uma vida e um futuro melhor. Aqueles que sofrem as injustiças e os que padecem a aguda desigualdade social no Brasil, nada têm de seu, a não ser a incansável expectativa de mudança e a crença em dias melhores. E o sorriso. Espoliados de tudo, resta-lhes a confiança no amanhã. A irreverência e a alegria, em geral associadas aos brasileiros, transmitem esta mensagem. Um estado latente de inconformismo e de vontade de mudança. A eleição de Tiririca revela opinião, mas também convicção no caminho escolhido para a transformação: a política. Os partidos deveriam ser mais atentos ao que dizem as urnas e os eleitores.