Um choque antirepublicano

O que há em comum entre os jovens que ocuparam a Avenida Paulista, em São Paulo – organizados pelo MPL (Movimento Passe Livre) – e os outros, secundaristas, que carregaram cadeiras de escola para a mesma avenida do dinheiro?

Além do fato de que muitos estiveram nos dois momentos/movimentos, há muitas outras coincidências: querem uma sociedade melhor, um Estado menos repressor, uma avenida que seja do povo e não só do capital, um governo que tente conversar, negociar, antes de usurpar e de bater.

Alguns querem escolas para estudar; outros, como a imensa maioria do povo, que sobre algum dinheiro para o transporte público que nem se aguenta nas próprias pernas. Por que sobem os preços, se o serviço se deteriora?

Em comum, ainda há o fato de que foram reprimidos pelo Batalhão do Choque, da Polícia Militar. Considerados elite da PM, seus membros não são selecionados exatamente por atributos intelectuais. A força física se multiplica porque, cada soldado treinado e escorado por outro policial, protegendo-lhe o flanco, equivale a dez indivíduos atacando aleatoriamente. Na forma de uma massa unida e protegida por equipamentos altamente resistentes, essa força representa níveis exponenciais incalculáveis. É letal.

Todavia, a configuração do Choque não tem grandes “evoluções” táticas, assemelhando-se a modelos bem mais antigos: Esparta, Roma, Alemanha nazista. O mesmo esquema foi repetido no regime militar pós-64, para conter as greves de operários. O mesmo tipo foi utilizado na invasão do Carandiru, igualmente em São Paulo, e que resultou em centenas de mortos: não se divulga até hoje quantos foram liquidados em celas trancadas, por exemplo. Em todo caso, com certeza, ninguém gostaria de se deparar com essa armadura.

Mas, então, poderíamos indagar: este contingente não seria melhor utilizado no combate à criminalidade? Como visto, não se trata de patrulhamento de ruas. Pode-se dizer que é o antípoda da Polícia Comunitária. O Choque é treinado e motivado para agir em bloco, como monolito da violência institucional. Como se sabe, também não há grandes motins no Estado mais rico do país. Portanto, servem mais adequadamente para desalojar sem-tetos, estudantes secundaristas, quem luta contra os golpes institucionais.

No caso específico dos presídios, não há rebelião, mesmo que as condições sejam as mais imorais possíveis, porque o PCC exerce o controle da organização e da disciplina. É o crime organizado quem manda nos presídios e isso ocorre desde 2005/2006 quando houve uma guerra civil sem negativas públicas. Naquela época, a situação se resolveu devido a um “pacto de não me toques”: “Se não me molestam nos presídios, não ataco policiais nas ruas”.

Mesmo quando há confrontos inevitáveis, os membros do PCC recuam. Porque preferem viver a morrer, e porque, presos, têm o status funcional elevado na organização criminosa. Só exerce o comando efetivo – os generais – quem está preso. Os que estão soltos cuidam de suas famílias e da assistência judiciária.

Para fazer um teste simples, pergunte-se o porquê do seu celular não funcionar dentro do shopping, no interior da própria loja em que você comprou; porém, nos presídios sim. “Não me toques” é a senha; pois, não falta tecnologia para bloqueadores de sinal. Inclusive, porque o bloqueio é ativo no shopping.

Por essas e por outras, independentemente se concordamos ou discordamos das ideologias professadas e das táticas empregadas pelos jovens da Paulista – secundaristas e Black Blocs –, dá para entender porque ocupam o centro econômico mais nervoso do país. A luta por direitos de muitos é uma luta política contra um governo que só governa para o grande capital e se alimenta dos grupos de poder hegemônicos.