Ansiedade, irritabilidade, e até queda na imunidade: engana-se quem pensa que as crianças, mesmo muito pequenas, não sofrem os impactos emocionais da pandemia de Covid-19 .
Embora extremamente necessário para conter o avanço da doença – que já causou mais de 320 mil mortes no mundo inteiro – o isolamento social pode causar danos à saúde mental de qualquer pessoa, inclusive crianças.
“Na quarentena, as crianças estão mais suscetíveis ao que chamamos de ‘ estresse tóxico ’, que ocorre quando situações de adversidade causam um aumento fisiológico dos hormônios de estresse, como cortisol e adrenalina , causando sobrecarga do sistema cardiovascular e riscos a construção saudável da arquitetura cerebral das crianças”, explica a médica pediatra Isadora Rossi, da Cia da Consulta. Os sintomas estão associados ao ambiente de tensão e ao afastamento da escola.
De acordo com a profissional, “isso pode trazer consequências como alterações do sono, irritabilidade, medos, piora da imunidade e, a longo prazo, causar queda no rendimento escolar, transtornos de ansiedade e de depressão”.
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A médica ainda destaca que as crianças podem sofrer o impacto em qualquer fase, mesmo quando ainda bebês. “Tenho atendido vários bebês, com cerca de um ano, que apresentam ‘mais carência’ de acordo com os pais. As queixas são sempre parecidas: crianças pedindo mais colo, mais atenção. Isso com certeza é reflexo da tensão gerada pela pandemia nos pais e percepção disso nos pequenos”, explica.
Impacto é diferente em cada fase da infância
Apesar de ser percebido em todas as idades, o impacto causado pelo isolamento social possui especificidades em cada fase da infância até a pré-adolescência. De acordo com o neurocirurgião e neurocientista do Hospital das Clínicas de São Paulo, Fernando Gomes, “quanto mais novas, mais facilmente as crianças aprendem novos padrões de comportamento que pode acarretar em dificuldade de reintegração social no futuro”, ou seja, quando a orientação da quarentena passar.
Já no caso de crianças mais velhas, com idades entre 8 e 11 anos, o alerta é para comportamentos compulsivos , principalmente na alimentação. “Nos mais velhos, como pré-adolescentes, principalmente aqueles com obesidade e/ou ansiedade (normalmente esses quadros caminham juntos), o confinamento intensifica os sintomas ansiosos e ainda facilita o ganho de peso em excesso, por aumentar o consumo a alimentos industrializados e doces, tentando ‘aliviar’ a tensão do momento”, reforça Isadora Rossi, que também atrai atenção para hábitos como roer as unhas.
Outro ponto que merece atenção, de acordo com o ambos os profissionais, é a distância dos colegas e professores, que também pode ser sentida em todas as idades e prejudica, diretamente, as trocas sociais e leitura de experiências fundamentais na vida da criança. “É natural que as crianças fiquem mais irritadas, ansiosas e tristonhas pela falta de contato físico com os colegas de escola, principalmente os pré adolescentes”, reforça o neurocientista.
Como diminuir os riscos e melhorar o bem-estar das crianças durante o isolamento?
Para amenizar o desconforto e o estresse durante o isolamento social, os profissionais afirmam que o primeiro passo é falar sobre o assunto com as crianças que, assim como os adultos, merecem entender o que está acontecendo. Apesar disso, é importante destacar que o diálogo deve ser feito de uma forma compreensível para cada idade e com os devidos filtros de informações que possam gerar pânico .
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“As crianças entendem, de acordo com a capacidade delas, tudo o que está acontecendo. Não estão indo para a escola, os pais estão trabalhando dentro de casa, os avós estão longe, todos na rua estão usando máscaras… assim, não falar sobre o assunto e “esconder” da criança não é uma opção saudável”, defende a pediatra.
“Uma boa ideia é perguntar sobre o assunto – assim você irá perceber o quanto ela compreende a situação, quais são suas dúvidas e como você pode esclarecê-las. É importante que as crianças tenham um espaço para expressar seus sentimentos, num ambiente acolhedor”, diz.
Além disso, a profissional de saúde orienta que os noticiários devem ser acompanhados em um ambiente em que, de preferência, a criança não esteja. Isso deve possibilitar que o adulto faça a filtragem sobre o que deve ou não ser repassado aos filhos.
O neurocientista Fernando Gomes ainda diz que o diálogo deve ser feito com a mesma clareza e sensibilidade com que assuntos relacionados à sexualidade são abordados. “Da mesma forma que se aborda a questão da sexualidade, cabe a orientadores, pais e responsáveis a explicar a situação do ponto de vista biológico sem exagerar nas preocupações e no lado negativo”, diz.