Município com a maior concentração de indígenas do Brasil, São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, tem 219 casos confirmados de Covid-19, conforme o boletim mais atual da prefeitura, divulgado ao fim da tarde desta quinta-feira (14).
A situação preocupa, já que o Hospital de Guarnição, do Exército, o único público da cidade, não tem leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) e já opera no limite.
Ao todo, 14 pessoas continuam internadas, das quais nove recebem tratamento do próprio município e cinco tiveram de ser transferidas para acapital, Manaus, que fica a cerca de 850 quilômetros de distância.
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Para efeito comparativo, pode-se observar que o total de casos confirmados equivale a quase a metade dos registrados, até o momento,em Mato Grosso do Sul: 452. A suspeita de que mais 416 pessoas estariam infectadas pode elevar ainda mais a incidência da doença na região nos próximos dias. Dos pacientes infectados em São Gabriel da Cachoeira, 10 morreram e 15 se recuperaram.
Linha do tempo
Os primeiros casos confirmados de Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira foram noticiados no dia 26 de abril pela Secretaria Municipal de Saúde.
Um dos pacientes foi diagnosticado após ser submetido a um teste rápido e o outro teve resultado positivo em um exame RT-PCR.
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Desde o dia 18 de março, a prefeitura acompanha a evolução da doença por meio de um comitê criado especificamente com essa finalidade, do qual participam representantes das Forças Armadas, do Poder Judiciário e do Ministério Público, da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Socioambiental e do Ministério da Saúde, das Polícias Civil e Militar, da Diocese de São Gabriel da Cachoeira e da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.
Com o agravamento da situação, a prefeitura decretou toque de recolher. A medida vigorou no período de 26 de abril a 11 de maio, abrangendo a faixa horária das 21h às 6h. As autoridades municipais também decidiram suspender o transporte público e os serviços de táxi-lotação de 28 de abril a 12 de maio.
Para orientar a população sobre a Covid-19, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro e a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas mobilizou-se e pôs carros de som em circulação pelas ruas da cidade. As mensagens são disseminadas com o auxílio de voluntários que traduzem o conteúdo para diversos idiomas indígenas.
Suscetibilidade
“Com o sistema de saúde colapsado no Amazonas e sem nenhum leito de UTI nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, a população indígena do Rio Negro está entre os grupos mais vulneráveis à pandemia de Covid-19 no mundo”, alertou a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro em nota divulgada no último dia 29.
No texto, a federação ressalta que o grau de preocupação decorre do fato de que parte significativa da população indígena da região vive na zona urbana e, por isso, fica fortemente suscetível à transmissão comunitária de Covid-19. O mesmo risco se aplica aos indígenas aldeados.
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A apreensão em torno da vulnerabilidade dos indígenas já foi manifestada por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em relatório , os pesquisadores destacaram o Amazonas como um dos estados que exigem atuação urgente do poder público, direcionadas para esse grupo populacional.
A subnotificação de casos entre indígenas que residem no espaço urbano, fora dos territórios tradicionais, tem sido denunciada por diversas organizações, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Para a Apib, a subnotificação representa “um ato de racismo institucional”. Segundo a entidade, lideranças kokama informaram que uma pessoa da etnia morta por Covid-19 foi identificada no atestado de óbito como uma pessoa parda, pertencente, portanto, à população negra.
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O presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, Marivelton Barroso, do povo baré, classifica de “extremamente grave” a situação em São Gabriel da Cachoeira e faz um alerta sobre o alcance da propagação da Covid-19: “O vírus está se espalhando numa velocidade muito rápida e atingindo as aldeias mais distantes, próximas à fronteira com a Colômbia, como Pari-Cachoeira e Iauaretê, na Terra Indígena Alto Rio Negro.”
Poder público
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para garantir que as autoridades governamentais assegurem os direitos dos povos indígenas da região do Alto e Médio Rio Negro, no contexto da pandemia.
Em nota, o MPF explica que a ação foi aberta após o governo federal apresentar “respostas pouco concretas” diante das recomendações que lhe encaminhou. As sugestões de medidas foram remetidas pelo MPF a diversos órgãos, como o Ministério da Cidadania, a Funai, o Exército e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Foi sugerido, por exemplo, que se montassem postos alternativos onde os indígenas pudessem retirar o auxílio emergencial e outros benefícios concedidos pelo governo, para que não precisassem se deslocar aos centros urbanos.
De acordo com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, cerca de 50 mil indígenas de 23 povos e 750 comunidades vivem às margens deste rio. Para atender aos indígenas da região, a Funai anunciou que vai distribuir 1.685 cestas básicas, adquiridas com recursos emergenciais.
A Agência Brasil apurou que a entrega das cestas em São Gabriel da Cachoeira foi iniciada, mas teve de ser interrompida, porque os dois funcionários da autarquia que cumpririam a função tiveram resultado positivo em testes para para Covid-19 e agora estão em isolamento social. Há previsão de que mais 17.116 cestas básicas sejam liberadas até junho, por meio de convênio entre a Funai, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Índices gerais
No boletim epidemiológico de ontem, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informa que, entre os povos indígenas, já foram confirmados 301 casos de Covid-19 e 19 mortes. Somente no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Alto Rio Negro, foram enumerados seis casos confirmados e duas mortes.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) tem feito uma contagem paralela à oficial, que relaciona 249 casos confirmados e 70 mortes entre indígenas da Amazônia. Como a Apib e o Cimi, a Coiab avalia que há subnotificação no levantamento do governo federal.