Saúde

Consumo de remédio para melhorar concentração cresce entre jovens

Consumo de remédio para melhorar concentração cresce entre jovens
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Um novo fenômeno de comportamento em São Paulo e no Rio vem assustando os médicos: o consumo de um remédio tarja preta por pessoas absolutamente saudáveis, com o objetivo de aumentar o foco nas tarefas do dia a dia. Trata-se do Venvanse, nome comercial do dimesilato de lisdexanfetamina, fabricado pelo laboratório Takeda, sem genérico. Seu uso foi liberado pela Anvisa para apenas duas situações: tratar pessoas com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), e pacientes diagnosticados com o transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP), distúrbio psiquiátrico que leva o paciente a comer de forma descontrolada, mesmo sem ter fome.

O perfil dos usuários, no entanto, tem sido outro. Vestibulandos, estudantes de concursos públicos, jovens empresários e profissionais da área da tecnologia que querem aumentar a capacidade de concentração. Em São Paulo já é praticamente impossível encontrar a medicação. No Rio a onda está crescendo e ela já começa a rarear no mercado. E olhe que seu preço não é barato: o medicamento sai em média entre R$ 450,00 e R$600,00.

O risco do mau uso do Venvance é brutal. Ele faz com que o sistema nervoso entre em um estado que os médicos chamam de “situação luta e fuga”, ou seja, faz com que o corpo fique permanentemente voltado e preparado para fugir de uma ameaça. O mecanismo por trás disso é um pico de produção de noradrenalina e cortisol, aumento da frequência cardíaca, crescimento da circulação do sangue para os músculos e contração das pupilas. O resultado, na prática, é que a pessoa fica mais atenta e focada no que acontece a sua volta, o raciocínio fica mais ágil, além do pico enérgico, que os usuários chamam de “ficar ligado”, ou “performar”.

“Eu me sinto a mulher maravilha. Depois de uns trinta minutos me dá uma euforia, alegria, vontade de fazer tudo. Minha autoconfiança melhora, consigo me concentrar nas atividades, tenho disposição e energia para os estudos. Meu rendimento e produtividade aumentam. Posso fazer várias coisas ao mesmo tempo e tenho o foco e a concentração como se estivesse fazendo apenas uma. Sou uma pessoa mais legal quando eu tomo também”, explica a estudante Thaina Alves, de 25 anos.

Thaina passou dois anos tomando o remédio diariamente, sem pausas. Começou com uma dosagem menor de 30 miligramas e evoluiu para doses maiores de 50 e 70 miligramas. Recentemente, percebeu os efeitos colaterais do uso incorreto da droga – insônia, forte dor de cabeça e o vício.

Para os pacientes com TDAH, o uso faz sentido. Eles sofrem de uma disfunção em uma área do cérebro chamada de córtex pré-frontal, responsável pelo foco e pragmatismo. A noradrenalina é fundamental para o funcionamento adequado dessa região.

Entre os médicos é unanimidade: todos alertam que o uso sem indicação traz graves riscos.

“Este é um fármaco estimulador de noradrenalina, bem como cocaína. As pessoas estão tomando o medicamento para ter energia, ficar acordado a noite estudando, melhorar atenção, em alguns casos, como recreação e misturando com o álcool para potencializar o efeito, e sem um acompanhamento médico. Isso é sério e gravíssimo. A pessoa quer passar a noite em claro para estudar, seria muito melhor tomar um café ou algo do tipo, porque não traria tanto risco a saúde”, afirma Cristiana Góes, médica de neurologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A neurologista garante que a lista de malefícios de quem compra e usa o Venvanse sem indicação médica são muito maiores do que o lado positivo dos efeitos que o remédio garante por algumas horas.

“O medicamento pode causar hipertensão, arritmia e até mesmo ataque cardíaco. Um paciente com tendência de esquizofrenia ou transtorno bipolar, por exemplo, pode ter um surto maníaco e psicótico. O Venvanse não é um medicamento que se pode “brincar”. O uso prolongado pode levar ainda à depressão, pois você está estimulando um neurotransmissor a te dar energia, e quando há essa interrupção abrupta dá um reboot”, explica Góes.

O remédio só é vendido com prescrição médica. Mas cresce o número de grupos ilegais de venda do produto nas redes sociais. A psiquiatra Camila Magalhães, fundadora do centro Caliandra Saúde Mental, em São Paulo, diz que já percebe o aumento de casos entre jovens e empresários há um tempo e de forma ilegal.

“É preocupante a forma como essas pessoas estão adquirindo o remédio pela internet, sem receita. Há famílias que me procuram dizendo que o filho está “imprestável”, porque não quer sair da cama, não tem energia, motivação para nada”, reitera a psiquiatra.

A venda ilegal do remédio causou uma falta generalizada do medicamento nas prateleiras das principais redes de farmácia de São Paulo. Também não há previsão de quando o medicamento será reabastecido nas drogarias. A carência começa a ser sentida em outros estados do país também, como no Rio, onde já há algumas lojas de fármacos sem estoque para o Venvanse.

Emagrecimento

O Venvanse também começou a ser usado erroneamente para o emagrecimento. Isso porque ao estimular a noradrenalina, e o corpo entrar em estado de atenção pleno, o cérebro também emite uma resposta para a inibição do apetite. Ao tomar o comprimido pela manhã, por exemplo, a fome só irá surgir no final do dia, perto do horário do jantar. Há o depoimento de pessoas na internet que chegaram a perder mais de dez quilos usando o medicamento em poucos meses.

Como é o caso da gerente comercial Bruna Rodrigues, 40 anos, ela começou a usar o medicamento para perder os quilos que tanto a incomodavam. Foram três meses de uso e cinco quilos eliminados. Segundo Rodrigues, foi o único auxilio para conseguir manter a dieta em dia.

“Eu não conseguia fazer dieta intermitente, porque eu sentia muita fome pela manhã. Depois que passei a usá-lo, realmente tira o apetite. Eu me forçava a comer para não ficar fraca, porque eu não tinha fome nenhuma”, diz.

Há estudos que comprovem o uso do venvanse para controlar a compulsão alimentar sendo seguro e com pouca rejeição no organismo dos usuários, porém não há pesquisas cientificas e nem indicações médicas para o uso do fármaco quando o assunto é emagrecimento. A gerente comercial afirma que sabia dos riscos, mas que ao ver os primeiros sinais dos resultados, o receio foi deixado de lado.

“Ao tomar o comprimido eu me sentia bastante produtiva também. Fazia várias coisas ao mesmo tempo como curso de inglês, academia, trabalhava mais de oito horas por dia e não me sentia cansada. É milagroso. Eu voltaria a tomar ele com certeza”, afirma Rodrigues.

Fonte: IG SAÚDE