Philipp Dettmer* – Especial para a BBC News
Devido à pandemia, estamos todos falando sobre imunidade – mas o quanto realmente entendemos? O escritor de ciência Philipp Dettmer ajuda a esclarecer um dos mitos mais comuns sobre o sistema imunológico.
Da próxima vez que você acordar se sentindo mal, pense no exército de soldados lutando contra milhões de inimigos por você, dentro do seu corpo.
Enquanto micro-organismos intrusos atacam centenas de milhares de células do corpo, seu sistema imunológico está organizando uma defesa complexa, se comunicando através de vastas distâncias e gerando uma morte rápida para milhões, ou bilhões, desses invasores. Tudo isso enquanto você está tomando uma ducha, levemente irritado por estar doente. Os sintomas que você está tendo – coriza, febre, dor de garganta, o mal estar geral – na verdade são o efeito dessa batalha que está acontecendo dentro do seu corpo.
O sistema imunológico é o sistema biológico mais complexo do corpo humano, com exceção do cérebro. E está sendo assunto agora mais do que nunca.
A pandemia introduziu um novo vocabulário em nossas vidas. Falamos sobre imunidade natural em pessoas que se recuperaram de covid, em imunidade gerada por vacinas, em doses, efeitos colaterais… De repente, esses assuntos se tornaram tão comuns em uma conversa quanto falar sobre o clima.
Mas o fato de a imunidade estar presente com mais frequência em conversa não significa necessariamente que as pessoas saibam mais sobre ela. Vamos dar um exemplo. Talvez o maior equívoco seja a preocupação em obter um sistema imunológico “fortalecido”.
A internet está cheia de produtos que prometem fazer exatamente isso: de café misturados com proteína em pó, de raízes místicas da floresta amazônica a pílulas de vitaminas, a lista é interminável.
Mas o que muitas pessoas não entendem é que o sistema imunológico pode ser perigoso. Não é uma coisa que queremos que seja desencadeada dentro de nós sem limites.
Em um mundo onde a autoajuda é um grande negócio, a ideia de “fortalecer” seu sistema imunológico é muito atraente. Mas não é um sistema imunológico forte que queremos, e sim um sistema imunológico equilibrado, que mantém todos os diferentes sistemas sob controle.
Estamos falando de uma coleção complexa e interconectada de centenas de bases e centros de recrutamento em todo o seu corpo. Eles estão conectados por uma superestrada, uma rede de vasos, tão vasta e onipresente quanto seu sistema cardiovascular.
Além de órgãos e infraestrutura, bilhões de células de defesa patrulham essas superestradas, ou sua corrente sanguínea, e estão prontas para enfrentar seus inimigos quando chamadas. Outras bilhões ficam de guarda no tecido do seu corpo que faz fronteira com o exterior, esperando que os invasores passem por elas. Há também trilhões de proteínas que você pode pensar que são como minas terrestres.
Seu sistema imunológico também tem universidades onde as células aprendem contra quem e como lutar, com a maior biblioteca biológica do universo, capaz de identificar e lembrar todos os possíveis invasores que você pode encontrar em sua vida.
O sistema imunológico é essencialmente uma ferramenta para distinguir “o outro”, o estranho, do “eu”. Não importa se o outro vai prejudicar o seu corpo ou não. Se o estranho não estiver em uma lista de convidados muito exclusiva que concede entrada gratuita, ele deve ser atacado e destruído – porque existe a possibilidade de prejudicá-lo. O que as vacinas fazem, por exemplo, é ajudar no reconhecimento desse inimigo.
Você provavelmente já entendeu a metáfora – é um sistema altamente complexo composto de muitos componentes diferentes. Um sistema imunológico que funciona bem é capaz de dosar a quantidade certa de força necessária para atacar qualquer infecção. Então a ideia de “fortalecer” esse sistema para ele ser mais agressivo é absurda.
Você não quer que o sistema imunológico seja como um jogador de rúgbi batendo nas coisas indiscriminadamente, você precisa que ele seja mais como um dançarino de balé: altamente treinado, preciso, capaz de agir rapidamente, mas dançando em harmonia com a música (o resto do corpo).
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Há uma antiga palavra grega – homeostase, o equilíbrio de todas as coisas – que é o que devemos buscar.
É um sistema tão intrincado que muitas coisas podem dar errado se ele for forte demais, se estiver desregulado. Ele pode reagir exageradamente a uma infecção menor.
Esse mal-entendido é em parte resultado de uma imagem mental errada do que o termo significa. As pessoas pensam no sistema como um escudo de energia que você pode carregar. Mas ele não é isso, ele é uma infinidade de coisas ao mesmo tempo.
Na realidade, ninguém sabe quantas células de quais tipos e em que nível de atividade são necessárias para que seu sistema imunológico funcione de maneira ideal. Qualquer um que diga que sabe o que é necessário provavelmente está tentando lhe vender alguma coisa.
Pelo menos por enquanto, não há maneiras cientificamente comprovadas de tornar seu sistema imunológico mais agressivo por meio de um superalimento ou pílula. E, se houvesse, seria muito perigoso usá-los sem supervisão médica.
As pessoas preferem soluções fáceis e rápidas, mas a saúde depende de coisas muito chatas que as pessoas não querem ouvir. Exercício, uma dieta equilibrada e estresse reduzido. Todos sabemos que essas coisas são boas para nós, mas não queremos fazê-las.
O mais importante é ter uma dieta que forneça todas as vitaminas e nutrientes que seu corpo precisa, ingerindo frutas e legumes. Seu sistema imunológico constantemente produz muitos bilhões de novas células e elas precisam ser alimentadas.
Os efeitos positivos do exercício regular moderado para a saúde são conhecidos há muito tempo. A boa circulação permite que suas células e proteínas imunológicas se movam com mais eficiência e liberdade, o que as faz fazer seu trabalho melhor. O exercício também pode retardar seu declínio na velhice.
Levar uma vida menos estressante traz benefícios tangíveis à nossa saúde de várias maneiras, e uma delas é o sistema imunológico. Sem entrar em muitos detalhes, o estresse pode desencadear série de eventos que atrapalham o trabalho e o equilíbrio desse sistema.
Então, por que algumas pessoas parecem ter resfriados e gripes mais do que outras? Há três razões para isso.
A realidade é que não somos iguais. As escolhas de estilo de vida importam. Talvez você fume ou não coma tão bem quanto os outros. Talvez você tenha um trabalho muito estressante ou um trabalho que o exponha mais aos vírus, ou talvez você simplesmente seja sedentário.
E há genética. Todo mundo é um pouco diferente. Uma pessoa pode ser melhor no combate a vírus e outra no combate às bactérias.
E, em terceiro lugar, há a percepção. Todo mundo afirma conhecer alguém que diz que nunca fica doente, mas isso não é verdade.
Então, talvez da próxima vez que você acordar com o nariz escorrendo ou um pouco suado, pense no exército de ajudantes que o mantém vivo. E em vez de se sentir azarado, sinta-se agradecido.
*Philipp Dettmer é autor do novo livro IMMUNE (imune, sem edição em português) e criador do canal Kurzgesagt , um dos canais de ciência mais populares do YouTube.
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