A ampla divulgação sobre o jogo Baleia Azul, que incentiva mutilações corporais de jovens e até suicídio, e os ataques virtuais a minorias já atingidas por casos de exclusão social tornaram-se detonadores de preocupação e alertas sobre suicídio no Brasil.
O game que virou tema de novela e mesmo de operação da Polícia Federal, trouxe à tona uma realidade comum: a ocorrência do assédio virtual, também chamado de cyberbullying. O debate sobre o delicado tema é estimulado este mês, no âmbito do Setembro Amarelo, para sensibilizar a sociedade para a prevenção ao suicídio.
Além do jogo, casos como o do jovem americano Tyler Clementi, de 18 anos, que se suicidou após ter fotos íntimas divulgadas pelo colega de dormitório, e da britânica Hannah Smith, de 14 anos, que se matou após receber ofensas na rede, têm chamado a atenção de pesquisadores e instituições públicas. Mas acontecem também no Brasil.
Segundo o integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção (GEPeSP), Pablo Nunes, não há estudos confiáveis que comprovem a ligação direta entre crescimento do número de suicídios e ataques nas redes sociais. No entanto, indícios dessa relação pedem atenção ao ambiente online.
“O fato é que a popularização da internet tem propiciado a circulação de informações sobre métodos de se suicidar e a proliferação de grupos de pessoas em sofrimento. Nesses grupos, os participantes discutem meios, lugares e ‘encorajam’ uns aos outros. No caso da automutilação, são centenas as páginas e grupos dedicados. Em muitas escolas o fenômeno já virou problema sério”, explica Pablo Nunes. Além disso, o pesquisador destaca que o anonimato faz das mídias sociais um ambiente favorável para ataques.
No ano passado foram pelo menos 312 pedidos de orientação e auxílio relacionados à intimidação ou discriminação na rede. A mesma quantidade de solicitações de apoio às vítimas do vazamento de fotos e vídeos íntimos, prática conhecida como sexting, foi registrada.
Foi a primeira vez que o cyberbullying ocupou o primeiro lugar no ranking dos motivos que levaram a pedidos de ajuda. Já 128 casos relataram sofrimento devido a conteúdos de ódio e violência.
Ataques virtuais
A consultora em políticas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) e Direitos Humanos Evelyn Silva, de 43 anos, foi diagnosticada com depressão severa há mais de dez anos.
Desde julho, a situação piorou depois que sofreu uma série de ataques na rede. Colunista de um site feminista, ela escreveu um texto sobre problemas recorrentes em relações entre lésbicas e bissexuais. A repercussão do texto veio junto a diversas mensagens violentas.
“É ódio puro. As pessoas não têm a menor ideia de quem você é, mas elas estão ali colocando para fora uma opinião que elas nunca expressariam pessoalmente”.
Evelyn revela que outros problemas ajudaram a reforçar o quadro de doenças e que ela chegou a pensar em cometer suicídio. Para evitá-lo, ela passa por um tratamento com monitoramento, uma técnica que envolve a presença constante e acolhedora de uma rede de amigos e parentes.
A consultora acredita que falar e expor a situação é importante para quebrar o tabu sobre o tema. A opinião é compartilhada por Pablo Nunes. “Preferir manter o suicídio no desconhecimento auxilia na manutenção do tabu, sendo mais difícil traçar ações de prevenção e sensibilização”.