O aumento do desemprego e queda de renda das famílias têm levado ao crescimento no número de processos na Justiça Federal com pedido de liberação do saldo das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em meio à pandemia de Covid-19. Desde o início da pandemia, em março do ano passado, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), em São Paulo, foram distribuídos 5.392 processos sobre o tema. Em 2021, houve aumento de 7% no número de novas ações, segundo dados do Tribunal.
No TRF-2, no Rio de Janeiro, hoje tramitam 1.455 processos, e no TRF da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, desde junho do ano passado, ingressaram 1.152 novas ações pedindo a liberação do FGTS.
Para justificar os pedidos de liberação do saldo do Fundo, os trabalhadores citam a perda de renda, impossibilidade de arcar com os gastos da família, e mesmo a situação de calamidade pública, decretada até o fim do ano passado, devido à pandemia.
Para a advogada Ingrid Queiroz, do escritório PDK, o aumento no número de ações está ligada à crise econômica e à falta de perspectiva de recolocação no mercado de trabalho. Ela lembra que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já proferiu decisões em que permitiu o saque.
“O que está acontecendo é uma tentativa de ampliar as ordens do saque do FGTS. O próprio STJ já considera as condições descritas para saque do FGTS como um rol exemplificativo. Agora, os trabalhadores estão se valendo de situações na pandemia e instabilidade econômica para aumentar a possibilidade de saques do FGTS, como redução de jornada, desemprego, dificuldade de acesso de outras vagas, o que tem gerado este número de ações que não havia no passado”, avalia Ingrid Queiroz.
Vulnerabilidade social
A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) decidiu que em situações de extrema vulnerabilidade social, como pessoas em situação de rua, são suficientes para autorizar o saque do saldo do FGTS e do PIS-PASEP” (Tema 280). O colegiado analisou um processo em que o pedido havia sido negado em São Paulo. O TNU entendeu que a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que as condições descritas para saque do FGTS na lei são rol exemplificativo, e não taxativo.
O relator do processo na TNU, juiz federal Fábio Souza, afirmou que o FGTS consiste em um instrumento de proteção social do trabalhador, e que o Fundo “é resgatável nas hipóteses de materialização de um risco social”.
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Autorização para saque
A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) permitiu que um trabalhador do Distrito Federal o saque o valor integral do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O pedido foi feito após redução de jornada e salário de 70%, uma das medidas previstas na MP 936 de 2020, para preservação de emprego durante a pandemia de Covid-19.
Na Justiça, o trabalhador alegou que sua remuneração passou para pouco mais de R$ 500 e que o valor não era suficiente para custear a manutenção das despesas da família. A 14ª Vara Federal já tinha concedido a decisão favorável ao saque integral do FGTS. A Caixa Econômica Federal, no entanto, recorreu da decisão.
O banco alegou que a Medida Provisória 946/2020 liberou um percentual de saque do FGTS, em meio à situação de calamidade pública causada pela pandemia, limitando o saque do FGTS a R$ 1.045, por isso não poderia conceder o valor integral ao trabalhador.
A Quinta Turma do TRF-1 aplicou a Constituição ao lembrar que existe a possibilidade de movimentação do FGTS em situação de “desastre natural” sob as seguintes condições: “o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal”.
Para a advogada Maria Lúcia Benhame, do escritório Benhame advogados associados, a decisão poderá ser reformada em instâncias superiores porque contraria a legislação em vigor que estabelece as condições de saque do FGTS:
“A lei que permite o saque do FGTS tem requisitos legais bem definidos. Além disso, se for autorizado o saque por calamidade tem que ter um ato de reconhecimento do governo, e o decreto de calamidade pública já perdeu a validade, em dezembro do ano passado. Na ocasião, o governo editou uma medida provisória que estabeleceu um valor máximo a ser sacado. Se todos os trabalhadores que tiveram suspensão de contrato ou redução de salário reduzido pedirem saque integral do FGTS, o Fundo acaba”, avalia a advogada.
Questionada, a Caixa informou, em nota, que “não comenta estratégia processual de ações em andamento”.