Um total de R$ 1,5 bilhão , extraído do acordo firmado para reparar os danos coletivos da tragédia de Brumadinho , será repassado diretamente às contas dos 853 municípios de Minas Gerais . A divisão do valor se dará proporcionalmente à população de cada cidade.
A proposta de uma transferência direta , construída nas últimas semanas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi inicialmente recebida com resistência pelo governo do estado. O Executivo queria o repasse de forma indireta, por meio de convênios feitos com as prefeituras para projetos específicos.
O impasse teria sido superado em uma reunião realizada ontem (7), mesmo dia em que foi aprovada em primeiro turno a Proposta de Emenda à Constituição do Estado (PEC) 68/2021, que possibilita a transferência dos recursos.
A reunião, destinada a aparar arestas, foi registrada em foto divulgada nas redes sociais pelo presidente da ALMG, Agostinho Patrus, que recebeu a secretária de Planejamento e Gestão de Minas Gerais, Luísa Barreto, e o advogado-geral do Estado, Sérgio Pessoa de Paula Castro, além de representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública do estado.
“A situação está definitivamente resolvida. Foi acordada a destinação direta de R$ 1,5 bilhão aos 853 municípios mineiros, de forma equânime e proporcional, por meio de transferência especial, o que assegura agilidade e desburocratização”, disse o deputado Agostinho Patrus, ao publicar a foto. O texto foi reproduzido em nota oficial divulgada pela Assembleia após o encontro.
A tragédia de Brumadinho ocorreu em 25 de janeiro de 2019, com o rompimento de uma barragem da Vale, que liberou rejeitos que provocaram 270 mortes, além de destruição de comunidades e devastação ambiental. Cerca de dois anos depois, a mineradora, o governo estadual, o Ministério do Estado, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública do estado firmaram um acordo. Celebrado em fevereiro de 2021, o acordo estabeleceu que R$ 37,68 bilhões seriam destinados a medidas de caráter reparatório e compensatório.
Esse montante diz respeito apenas à indenização de danos coletivos. As indenizações individuais e trabalhistas que deverão ser pagas aos atingidos estão sendo discutidas em outros processos judiciais e extrajudiciais.
No acordo, foram previstos diversos projetos que incluem programas para transferência de renda e atendimento de demandas comunitárias, investimentos socioeconômicos, ações de recuperação socioambiental, medidas para garantir a segurança hídrica, melhorias dos serviços públicos e obras de mobilidade urbana, entre outras. Algumas das ações serão desenvolvidas diretamente pela Vale. Em outras obras, caberá à Vale apenas disponibilizar os recursos para implementação pelo Executivo ou para definição dos atingidos em conjunto com o MPMG, o MPF e a Defensoria Pública estadual.
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A parte que será administrada pelo governo mineiro totaliza R$ 11,06 bilhões. Uma das principais medidas compensatórios previstas é o financiamento do início da construção do Rodoanel, que contornará a região metropolitana de Belo Horizonte e ligará as rodovias federais BR-040, BR-381 e BR-262. Para essa obra, foram reservados R$ 3,5 bilhões. O acordo inclui também construção de pontes, recuperação de estradas, ampliação do metrô de Belo Horizonte e conclusão de hospitais.
A movimentação dos R$ 11,06 bilhões, no entanto, depende do aval da Assembleia Legislativa em função de dois dispositivos legais. O Artigo 161º da Constituição do Estado estabelece a necessidade de autorização legislativa para suplementação do orçamento do estado em caso de recurso extraordinário que supere 1% da receita orçamentária total. E o Artigo 17 da Lei Estadual 23.751/2020, que estimou as receitas e fixou as despesas do estado para o exercício de 2021, diz que o uso de recursos provenientes de acordos relativos à tragédia de Brumadinho precisa ser aprovado pelos parlamentares.
Para obter esse aval, o Projeto de Lei (PL) 2.508/2021 foi elaborado e enviado à Assembleia pelo governador Romeu Zema. Os deputados ainda discutem alterações nas medidas previstas, e o projeto encontra-se atualmente na Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária. Há duas semanas, encerrou-se o prazo para apresentação de emendas.
Desentendimento
Em discursos no plenário da Casa, parlamentares defenderam a substituição de alguns projetos que não consideram prioridade no momento, como a construção de pistas de skate e a troca da fiação elétrica da Cidade Administrativa, sede do governo estadual. Houve inclusive um primeiro consenso com o governo mineiro para garantir a destinação de verba à pesquisa da Spintec, vacina contra a covid-19 que está sendo desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais.
A proposta que gerou o maior desentendimento até agora envolvia o repasse do R$ 1,5 bilhão aos municípios. Não havia divergência na aplicação desse montante nas cidades, mas a forma de execução da medida gerou o impasse. Segundo o governo mineiro, o acordo com a Vale responsabiliza o estado pela correta destinação dos recursos. Para o Executivo, a transferência direta para as contas das prefeituras tornaria impossível o controle dos investimentos. Além disso, o repasse direto seria inconstitucional, razão pela qual a celebração de convênios entre o estado e os municípios foi apontada como o caminho ideal para a realização de investimentos.
Deputados da base consideraram o repasse direto como um “cheque em branco” para as prefeituras. De outro lado, um grupo de parlamentares manifestou-se favorável à autonomia no uso do montante. Para esse grupo, o cenário de pandemia e a crise econômica demandam um processo mais célere e desburocratizado para que os recursos possam chegar aos municípios para financiar obras prioritárias e ações de enfrentamento à covid-19, de estímulo à agricultura familiar e de assistência social.
Dos 77 deputados, 32 se apresentaram como autores da PEC 68/2021, elaborada para dar constitucionalidade à proposta. Conforme sua redação, fica autorizado o uso da transferência especial “para fins de execução financeira e orçamentária de despesa autorizada por meio da abertura de crédito adicional”.
Aprovada em primeiro turno por 68 a 3, a PEC 68/2021 ainda deve ser apreciada mais uma vez no plenário, provavelmente na próxima semana. Com um consenso construído entre a presidência da Assembleia Legislativa e o Executivo estadual, não deve haver dificuldades para atingir novamente os 52 votos necessários, o correspondente a dois terços dos deputados.