Economia

Ensino remoto faz quase 3 milhões de alunos perderem merenda, aponta estudo

Ensino remoto faz quase 3 milhões de alunos perderem merenda, aponta estudo


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Mais de um ano após a adoção do ensino remoto , ainda há pelo menos 677 redes municipais de educação que não garantem a alimentação escolar de seus estudantes. Isso significa que seus 2,7 milhões de alunos perderam as refeições que faziam na escola e não estão recebendo esses mantimentos em casa. Os dados são do Painel de Monitoramento da Educação Básica no Contexto da Pandemia , da Universidade Federal de Goiás (UFG) com apoio do MEC .

A falta de merenda compõe um quadro em que mais da metade dos domicílios no país (59,4%) apresentaram algum grau de insegurança alimentar entre agosto e dezembro de 2020, segundo pesquisa coordenada pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e com a Universidade de Brasília (UnB). Na prática, 125,6 milhões de brasileiros não se alimentaram como deveriam ou já conviviam com a incerteza quanto ao acesso à comida.

“Vivo da ajuda dos outros”, conta Ana Paula Rodrigues dos Santos, de 35 anos, moradora de São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos do Rio.

Mãe de seis filhos, Ana Paula conhece bem a alegria de alimentar crianças. Ela era merendeira, mas agora, desempregada, não consegue garantir as refeições de seus filhos com os R$ 447 de Bolsa Família, única renda da família:

“Tenho quatro crianças nas escolas de São Pedro, mas a cidade não dá nada. Estou precisando muito. Eles tomavam café e almoçavam na escola.”

Vizinha à Ana Paula, Andrea Pinheiro, de 50 anos, tem um filho na rede municipal e vive de uma pensão de R$ 1.100 para ela e o marido, desempregado, e também passa apertos.

“Não posso dizer que sempre tem comida. Quando falta, os vizinhos ajudam”, conta.

A pesquisa comandada pela UFG buscou todas as 5.569 redes municipais de educação do país e recebeu informações de 1.506, que respondem por 40,5% (9,2 milhões) das matrículas no país. Dessas, 829 cidades, com 6,5 milhões de alunos, oferecem alimentação escolar e 677, não.

“Em 2020, ninguém sabia o que fazer. Mas já passou mais de um ano. Não dá para aceitar que as redes não tenham criado estratégias de atendimento”, afirma Marcelo Colonato, presidente do Fórum Nacional de Conselhos de Alimentação Escolar (CAE) e do Conselho Estadual de Alimentação Escolar de São Paulo.

Valores baixos

O custo da merenda das escolas públicas é dividido entre o governo federal e o estado nas escolas estaduais ou entre Brasília o município nas escolas municipais. As redes já foram autorizadas — mas não obrigadas — a garantir, com esses recursos, a alimentação dos estudantes enquanto estão no ensino remoto, o que torna o valor um pouco mais alto do que a preparação nas escolas.

Quando não fazem, esse dinheiro da União fica sendo acumulado nas contas dos estados e municípios e eles só podem usá-lo para a compra de produtos alimentícios.

Na avaliação de Sandra Helena Pedroso, presidente do Conselho de Alimentação Escolar do estado do Rio, o baixo repasse da União, que é definido por lei como gasto obrigatório e não é reajustado desde 2017, é um dos problemas que dificultam cidades mais pobres a garantir a merenda das crianças durante a pandemia.

Atualmente, a União aporta de R$ 0,36 (para matrículas de horário parcial) a R$ 1,07 (horário integral) por aluno. Na rede estadual do Rio, a secretaria de educação complementa com mais R$ 0,68 e R$ 1,97, respectivamente. Com isso, cada refeição custa R$ 1,04 e R$ 3,04 aos cofres públicos.

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“Durante o ensino presencial, a conta fechava porque a maior parte dos alunos não se alimentam na escola, por vergonha ou por preferir outros alimentos. O governo federal e o Congresso precisam rever esses valores ou autorizar o uso de recursos do Salário Educação ou do Fundeb para isso”, defende Pedroso.

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Enquanto isso, os alunos sofrem com a falta de merenda durante o ensino remoto. De acordo com conselheiros do CAE, a cidade de Ourinhos (SP), por exemplo, distribuiu apenas um kit em 2021 e mais nada. Em Rio Negrinho (SC), começou apenas nesta semana um levantamento para iniciar só agora as entregas. Em Varre-Sai (RJ), foram entregues kits mensais de maio a dezembro de 2020. Em 2021, foi dado apenas um, em maio.

“Quando há fome infantil, a gente já passou pela fome familiar. Em especial, a fome feminina, da mãe que deixa de comer para dar para seu filho”, diz Guilherme Pimentel, ouvidor geral da Defensoria Pública do Rio, que busca na Justiça obrigar os municípios a garantir a merenda.

No entanto, mesmo cidades que oferecem o benefício apresentam problemas. Na Baixada Fluminense, a cidade de Nova Iguaçu, por exemplo, diminuiu o valor de R$ 110 para R$ 70 mensais em 2021.

“Com R$ 70 só dá para comprar um arroz, um feijão e um óleo. Quem está me ajudando mesmo é o projeto Faixa Preta. Sem ele, não sei o que seria de mim e meus seis filhos”, relata Luana Selga, de 40 anos.

O Faixa Preta de Jesus, que ajuda Luana, é um projeto social da cidade que ensinava artes marciais para crianças da região, além de garantir alimentação e reforço escolar. Na pandemia, interrompeu as aulas presenciais e virou uma espécie de centro de distribuição de alimentos, chegando a outras cidades inclusive comunidades do Rio.

“Atendo 600 pessoas diretamente. Fizemos uma conexão com projetos pequenos e empresas, que doam alimentos. Nesse um ano e meio de pandemia, já entregamos 180 toneladas de alimentos: biscoito, macarrão, fruta, legume, de tudo”, diz Ricardo Cavalcanti, diretor da ONG.

Ja em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, a prefeitura organizou um modelo de cartão alimentação para distribuir para as famílias. Porém, segundo o vereador Romário Regis (PCdoB), houve falhas.

“Famílias ficaram sem receber os cartões e mesmo algumas que receberam ficaram sem o depósito”, afirma.

No cartão de Marisa Gabri da Silva Rodrigues, de 28 anos, só chegou uma recarga, em março, de R$ 54. Ela ainda aguarda os valores de abril, maio e junho. Costureira autônoma e mãe de três crianças, a jovem viu a empregadora pegar Covid-19, o que paralisou a produção na fábrica e a deixou praticamente sem renda.

“Meu aluguel venceu e as poucas compras que eu tenho já estão no fim. Estou procurando outra fábrica pra ver se consigo levantar algum dinheiro para sustentar minhas filhas. Só tenho R$ 300 da pensão das meninas”, afirma a costureira.

Gasto aumenta

Ex-conselheiro do Centro de Alimentação Escolar de São Gonçalo, Cláudio Alberto Oliveira conta que diariamente recebe denúncias de pais que estão passando dificuldades por não terem acesso ao cartão alimentação e de estudantes que nem chegaram a receber o benefício.

“Estamos numa situação complicada, com pais que vão à escola ver por que o dinheiro não cai e não têm resposta. A prefeitura disse que seria distribuído um kit alimentação, mas até agora não deu um parecer. Além do grande problema dos que nem sequer receberam o cartão e não conseguem solicitar”, explica Cláudio.

Mãe de um menino de 5 anos, Geane Rangel, de 35, tem gastado cerca de R$ 500 com a alimentação do filho, quase R$ 200 a mais do que quando a criança ficava em tempo integral na escola.

“Faz falta porque, com o dinheiro, eu comprava leite, biscoito, iogurte. Era um alívio para a gente que está desempregado. Mas resolveram não depositar mais. E o pior é que ninguém tem resposta para nada. O que a diretora diz é que agora a prefeitura não vai mais recarregar o cartão.”

Em nota, a Secretaria municipal de Educação de São Gonçalo disse que “vai entregar kits alimentação para os alunos, relativos aos meses de abril, maio e junho, tão logo seja concluído o processo licitatório para a aquisição dos alimentos”