A mensalidade dos planos de saúde individuais e familiares vai cair em 8,19%. O índice aprovado por unanimidade pela diretoria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) , que pela primeira vez discutiu o percentual de reajuste em reunião aberta. É a primeira vez na história que o percentual é negativo e, segundo especialistas, esse é um quadro que dificilmente deve se repetir.
Isto porque o índice negativo é reflexo de uma situação extraordinária provocada pela pandemia de Covid-19, que levou à queda de uso de procedimentos como consultas, exames e cirurgias pelos clientes de planos de saúde no ano passado.
O chamado índice de sinistralidade, uma proporção entre valor arrecadado pelas operadoras e gasto com procedimentos, caiu de 82% para 74%. Segundo os dados da ANS, a variação das despesas asssistenciais registraram uma queda de 9,20% de 2019 para 2020, a maior variação desde 2014. Uma queda de 20 pontos percentuais de um ano para o outro. O cálculo leva, no entanto, outros dados em consideraçao.
“A proposta de um percentual negativo de reajuste é uma medida justa, já que houve redução do percentual de atendimento. As operadoras não poderão deixar de reduzir a mensalidade dos planos de saúde individuais, sendo facultado as operadoras aplicar outro índice desde que seja mais vantajoso para o consumidor”, destaca o presidente substituto da ANS, Rogério Scarabel.
Ele chamou atenção para a difícil missão da ANS de trazer equlíbrio ao mercado. Scarabel lembrou que a fórmula usada para o cálculo foi modificada em 2018 e já usada para determinar os reajustes de 2019 e 2020. E destacou que o resultado apurado este ano mostra a robustez do modelo, que reflete as despesas assistenciais dos planos e traz incentivos para promover eficiência dos planos, o que é repassado ao consumidor.
Essa foi a primeira vez que o índice de reajuste de plano de saúde foi discutido pela diretoria da agência em reunião aberta.
O cálculo do reajuste foi enviado em maio para apreciação do Ministério da Saúde . No último dia 5, o ministério enviou uma nota técnica na qual questionou a ANS sobre os riscos de reajustes negativos para as operadoras e qual seria o efeito sobre os planos coletivos.
Segundo a agência, não há nenhum risco para o mercado e, embora o índice se aplique apenas a planos individuais, levantamentos mostram que boa parte dos aumentos aplicados nos contratos coletivos acompanham aquele determinado pela reguladora para os individuais.
Como a data-base dos contratos individuais é maio, a aplicação do índice de reajuste dos planos individuais é retroativa e escalonada pelo número de meses em atraso para a aplicação do percentual. O índice é válido para aplicação entre maio de 2021 a abril de 2022.
Ou seja, a fatura de agosto compensa o que deveria ter sido aplicado em maio, junho e assim por diante. Dessa vez, no entanto, em lugar de acréscimo, como é usual, os consumidores com esses contratos terão uma redução maior da mensalidade, até que toda a diferença seja zerada.
O advogado e empresário Diego Rosa, de 36 anos, recebeu com surpresa a notícia de redução da mensalidade dos planos de saúde. Para ele, que gasta 7% do seu orçamento mensal com o pagamento do serviço, o reajuste negativo é um alívio.
“O poder aquisitivo caiu muito nesses últimos meses, e a queda do valor do plano de saúde é um desafogo no bolso e no emocional das pessoas. Não tinha como se sustentar uma narrativa de reajuste positivo, porque eles suspenderam procedimentos eletivos no ano passado”, disse Rosa.
Alta nos custos em 2021
A redução das mensalidades beneficiará menos de 20% dos mais de 48 milhões de usuários de planos de saúde. De todos os contratos do setor, apenas 8,9 milhões são individuais.
O índice, no entanto, aumenta a pressão sobre a regulação dos reajuste dos planos de saúde coletivos , empresariais e por adesão, que compõem a maior parte da saúde suplementar.
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Não à toa as operadoras tentaram reverter esse percentual negativo durante a tramitação do cálculo da ANS no Ministério da Economia.
Segundo a FenaSaúde , que representa as maiores empresas do setor, a proposta era reduzir o percentual negativo neste ano ou zerar o reajuste, como forma de neutralizar o aumento do próximo ano, que estima será alto.
Segundo a entidade, em 2021, há aumento de internações por Covid-19 de usuários da saúde suplementar, a alta dos custos e a retomada da realização de procedimentos represados no primeiro ano da pandemia.
O último boletim Covid da ANS, de maio, no entanto, ainda não indica a essa explosão de custos apontada pelas operadoras. Pelos dados da agência os índices de uso se mantêm ainda menores do que o cenário pré-pandemia, em 2019.
Desde o início da pandemia, acirrou-se um movimento de entidades de defesa do consumidor, Ministérios Públicos, com apoio inclusive da Defensoria Pública da União, pela maior regulação dos coletivos diante da grande diferença entre os percentuais aplicados pelas operadoras para esses contratos e o limite estabelecidos pela ANS para os individuais.
Alta de até 20% nos planos coletivos
Segundo o advogado Rafael Robba, especialista em Saúde do escritório Vilhena e Silva, nos casos de contratos coletivos por adesão e de pequenas e médias empresas (PME), com até 30 beneficiários, os percentuais de aumentos para este ano têm variado entre 10% e 20%:
“Não recebi caso com reajuste abaixo de 10%. Os consumidores estão indignados, de como pode haver uma queda para os contratos individuais e os coletivos serem reajustados em 16%, 20%. Lembrando que os dados que mostram a queda de uso, divulgado pela ANS, são um retrato de todo o setor e a maioria dos usuários, cerca de 80%, são de planos coletivos. Como se explica esse aumento então? Falta transparência”, diz Robba.
Levantamento realizado pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), utilizando toda a base disponibilizada pela ANS, com cerca de 2,5 milhões de contratos de planos de saúde empresariais, indicam um aumento médio até maio deste ano de 5,5%. O percentual é o mais baixo desde 2015.
Subsídio cruzado
A Fenasaúde também afirma que os reajustes deste ano estão entre os menores já aplicados pelas operadoras. Segundo dados da entidade, no ano passado, o reajuste médio aplicado para planos coletivos com até 29 usuários foi de 11,44%; nos contratos com mais de 30 beneficiários, o índice ficou em 7,11%. Lembrando que, em 2020, o limite de aumento para os planos individuais foi de 8,14%.
Estudo feito pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, apontou, no entanto, que os planos com maior número de pessoas em seus contratos têm maior poder de barganha que os coletivos com menos usuários.
Na prática, diz a Senacon, acaba acontecendo um subsídio cruzado em que os planos menores pagam reajustes maiores do que aqueles com maior capacidade de negociação.
Ana Carolina Navarrete, coordenadora do program de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), destaca que o reajuste negativo atinge apenas 1 em cada 5 usuarios de planos de saude:
“Em abril, o Idec lançou uma campanha nacional chamada Chega de Aumento no Plano para pedir o fim dos reajustes para todos os consumidores em 2021. Com o anúncio de reajuste negativo para os planos individuais, a campanha passará a demandar da ANS a regulação dos contratos coletivos. A lei permite que a agência regule esses contratos, basta uma decisão administrativa da reguladora”, afirma Ana Carolina.
Documento elaborado pelo Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde da USP e o Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde da UFRJ, entregue na semana passada ao Ministério da Saúde, traz entre as dez propostas para regulação da saúde suplementar o regramento do reajuste coletivo.
“O reajuste negativo confere uma proteção para quem tem plano individual, mas seria importante estender critério para os planos coletivos que representam a maioria dos contratos. Nesse momento ainda nos preocupa as mudanças na legislação que estão em estudo para autorizar planos com coberturas reduzidas. Há uma pressão das operadoras pela desregulamentação no âmbito do Poder Executivo e no Congresso Nacional, o que deixaria ainda mais vulnerável o consumidor”, diz Ligia Bahia, do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ, uma das formuladoras do estudo.