O Plenário do Senado vai começar a analisar nesta quarta-feira (16) a medida provisória que trata da desestatização da Eletrobras (MP 1.031/2021), tema que está cercado de incertezas. Os senadores têm manifestado desconfiança com as possíveis consequências da medida, insatisfação com as mudanças no texto promovidas pela Câmara dos Deputados e dúvidas sobre a manutenção das suas próprias intervenções no texto final.
Em meio a esses obstáculos, a MP já está perto do fim de seu prazo de validade: se ela não for aprovada pelo Congresso Nacional até a próxima terça-feira (22), perderá seus efeitos. Se o Senado alterar o texto, a medida provisória terá de passar por uma nova votação na Câmara para ser definitivamente aprovada no Congresso. Se o prazo expirar sem que haja a aprovação, o governo federal não poderá enviar outra MP sobre o mesmo tema neste ano.
Funcionários da Eletrobras entraram em greve nesta terça-feira (15) contra a privatização da estatal e o descumprimento do acordo coletivo de trabalho. Os empregados temem que a venda da empresa para a iniciativa privada provoque demissões em massa .
Segundo o Sindicato dos Urbanitários, responsável pela manifestação, 70% dos trabalhadores da Eletrobras aderiram à greve que deve durar 72 horas.
A MP ainda não tem relatório, que deverá ser apresentado no dia da votação pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO).
“Jabutis”
Vários senadores já se insurgiram contra adições da Câmara ao texto da MP que são consideradas “jabutis”: dispositivos sem relação com o assunto central, que apenas “pegam carona” na proposta. Quando isso acontece, a Presidência do Senado pode declarar a impugnação do trecho contestado.
A bancada do Podemos encaminhou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para remover quatro artigos do texto que veio da Câmara. Um deles insere a obrigação de que o governo federal contrate, por um período de 15 anos, usinas termelétricas movidas a gás natural nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste (mesmo em estados que ainda não tenham gasodutos instalados). As termelétricas são mais poluentes do que outras formas de geração de energia.
Outros dispositivos questionados regulam leilões de energia e dispõem sobre obrigações das empresas estatais que precisarão ser criadas para a administração da usina de Itaipu e da energia nuclear — que, por determinação constitucional, devem ficar sob controle da União.
Na sessão deliberativa desta terça-feira (15), o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) chamou os trechos de “penduricalhos” e afirmou que eles são “uma afronta” ao povo brasileiro. Oriovisto criticou especialmente o deputado federal Elmar Nascimento (DEM-BA), relator da MP na Câmara, que chegou a garantir que os deputados restaurariam os trechos que o Senado viesse a retirar.
“Eu me senti ofendido. A sensação que temos é que poderíamos fechar o Senado”, ironizou Oriovisto.
Em entrevista coletiva concedida nesta terça, o senador Marcos Rogério minimizou a polêmica e disse que está colhendo todas as sugestões dos senadores para produzir um relatório final de “convergência” entre a Câmara e o Senado. O objetivo, segundo ele, é evitar disputas. Para Marcos Rogério, todos os termos da proposta devem ser considerados.
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“Não posso, de maneira antecipada, tratar as emendas [da Câmara] como “jabutis”. É um termo pejorativo. Muitas vezes isso é retórica para afastar o mérito da mudança legislativa. Não é o momento de fazer esse julgamento.”
O deputado Elmar Nascimento, que também participou da coletiva, voltou atrás nas suas declarações anteriores e disse que vai trabalhar para confirmar as mudanças que o Senado produzir.
“Todas as modificações que estão sendo sugeridas no Senado vão ao encontro das premissas que discutimos na Câmara, e nossa tendência é ratificar todas elas”, disse Elmar, acrescentando que, caso o Senado aprove a MP na quarta-feira, os deputados federais estarão prontos para votá-la na quinta-feira (17).
Também nesta terça, o presidente Rodrigo Pacheco relatou que está reunindo todos os pedidos de remoção de “jabutis” dessa MP, e que essas questões serão resolvidas no momento da discussão da matéria no Plenário do Senado.
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Mesmo sem os trechos considerados impertinentes, a MP é alvo de críticas entre os senadores que consideram a desestatização da Eletrobras prejudicial à produção de energia nacional e ao bolso dos consumidores. O modelo de desestatização prevê a emissão de novas ações da empresa, a serem vendidas no mercado sem a sua participação, resultando na perda do controle acionário de voto mantido atualmente pela União. Apesar de perder o controle, a União terá, de acordo com o texto, uma ação de classe especial (golden share) que lhe garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas, a fim de evitar que algum deles ou um grupo de vários detenha mais de 10% do capital votante da Eletrobras.
Na sessão desta terça-feira, a senadora Leila Barros (PSB-DF) elencou os problemas que enxerga na iniciativa:
“A Eletrobras está longe de ser deficitária, tem capacidade de investimento. [A MP vai causar] concentração do mercado de geração nas mãos de uma única empresa privada. E assegura, de forma inexplicável, cotas de contratação de fontes de energia questionáveis [as termelétricas], e as menos poluentes deixarão de gerar ou de ser construídas.”
Por meio de notas e de suas redes sociais, outros senadores também se posicionaram. Jean Paul Prates (PT-RN) questionou a conveniência do processo de desestatização para a segurança energética brasileira. Ele também argumentou que a Eletrobras vende energia a preço de custo, o que deixaria de acontecer no novo modelo. “A venda do controle acionário da Eletrobras é mais uma ameaça à soberania do nosso país. Uma medida que vai gerar insegurança sobre o abastecimento e aumento das tarifas de energia”, afirmou.
O senador Plínio Valério (PSDB-AM) citou países que, segundo ele, mantêm a geração de energia preferencialmente nas mãos do setor público. Para ele, o Brasil irá “na contramão do mundo” se aprovar a MP: “Nos Estados Unidos, 75% da geração de energia pertence ao Estado. Na Índia, 90%. E nós vamos abrir mão disso para valorizar o lucro dos cotistas e prejudicar o povo?”.
Mesmo parlamentares favoráveis à medida apresentaram ressalvas. É o caso do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), que pediu mais embasamento antes que o assunto seja decidido. “A capitalização da Eletrobras é uma ferramenta importante para o desenvolvimento do Brasil, mas precisamos ainda de ajustes na proposta. Estudamos, ouvimos especialistas e vamos continuar nos debruçando em busca da melhor solução para o país”, defendeu ele.
O Senado promoveu duas audiências sobre essa medida provisória nas últimas semanas. Na primeira delas, uma sessão de debates no Plenário, os convidados criticaram o tratamento do tema por meio de medida provisória, um instrumento para situações urgentes. Já nesta terça (15), convidados ouvidos pela Comissão de Meio Ambiente do Senado (CMA) destacaram os riscos de impacto nas contas de luz.