Economia

Trabalho demais, cuidado de menos: as condições de trabalho durante a pandemia

Trabalho demais, cuidado de menos: as condições de trabalho durante a pandemia


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Após um ano de espera, Leonice Mattos, 49, finalmente se vacinou contra a Covid-19 . “Por sorte”, ela diz, recebeu a vacina da Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, a CoronaVac , que tem intervalo de quinze a 28 dias entre as doses e gera imunidade cerca de um mês após a vacinação completa, aplicadas as duas doses. A prefeitura de São Paulo, no entanto, não deixou que o sistema imunológico da professora reagisse, sequer, à primeira picada da vacina . No dia seguinte à ida ao posto de saúde, já foi obrigada a ir para a sala de aula

O caso dela não foi o único. Todo o colégio Jorge Americano, da rede municipal de São Paulo , no bairro do Valo Velho, zona sul da capital, já estava de volta após a primeira dose. Apesar da menor circulação de alunos – apenas 35% do total – Leonice não havia desenvolvido os anticorpos necessários para voltar a frequentar lugares movimentados, como escolas.


A breve imunização e o rápido regresso ao ambiente de trabalho tornavam Leonice mais suscetível ao novo coronavírus. E não só às novas cepas – mais contagiosas e letais – mas ao desenvolvimento de variantes resistentes à vacina tomada. Por si só, a possibilidade não colocaria a professora em maior ou menor risco. Mas colocaria o Brasil. Ou melhor, o mundo, como temos visto nos últimos meses. 

Alguns de seus colegas, menores de 47 anos, isto é – fora do grupo prioritário entre os professores – ainda não foram vacinados.  Isto não impediu que voltassem a dar aulas presenciais já que, desde 12 abril, vale a decisão do governo Bruno Covas (PSDB), que reabre os colégios públicos e particulares da capital.

A classe docente não assistiu a medida sem reação. A professora conta que o seu colégio permaneceu em greve contra a retomada das aulas por 23 dias. O fim do protesto só aconteceu quando foi anunciada a redução salarial. “Aí não tem como, né? Tivemos que nos arriscar”, diz. 

Condições de trabalho

A escola onde Leonice trabalha, atualmente, comporta cerca de 50 funcionários, entre professores, merendeiras e equipe de limpeza. Alguns docentes trabalham em mais de uma escola, o que os faz circular pela cidade. Apenas os profissionais com comorbidades ou que apresentem sintomas de Covid-19 podem ficar em casa na quarentena. 

“Não tem nenhuma condição de manter [os protocolos de saúde], né? Além de muita gente circulando, as crianças têm a tendência natural de se aproximar. E fora que na sala dos professores mesmo, a garrafa de café passa da mão de um para o outro, e quando acaba o período da manhã, vem os professores da tarde e sentam nas mesmas cadeiras”, conta a pedagoga. 

Fora as precárias medidas sanitárias, a própria alfabetização fica comprometida já que “eu não posso chegar perto dos alunos, e com todo mundo de máscara, nem eu os ouço, nem eles me ouvem direito”, explica. Mesmo as aulas remotas não são homogêneas.

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“Na minha sala de aula, só 15 dos 29 alunos conseguiam assistir às aulas gravadas”, conta. A própria preparação da aula é comprometida em colégios com menos recursos, já que nem todas as escolas têm wi-fi de qualidade ou computadores disponíveis para todos os professores.

Leonice tem que levar o computador pessoal para o colégio e rotear a internet do celular para transmitir as aulas. Os alunos que não têm acesso à plataforma virtual de aulas adotada pelo governo Estadual acompanham o conteúdo pelas apostilas entregues pela prefeitura de cada escola.

Aos professores, cabe ceder seus números pessoais para atender aos pais destas crianças em caso de dúvidas. Em regiões periféricas da cidade, como a que Leonice trabalha, é comum que os responsáveis pela criança passem o dia inteiro trabalhando – o que aumenta a chance de infecção dos professores. 

O advogado trabalhista Walace Viana explica que não há nenhuma irregularidade legal no atual funcionamento das escolas em São Paulo, apesar das “falhas”. “Se o professor tiver alguma comorbidade, ele pode realizar uma solicitação administrativa para que exerça sua função laboral de maneira totalmente remota”, conta.

“Hoje, no Brasil, não existe uma legislação específica que trata sobre a exposição de funcionários ao contágio da Covid-19. Contudo, existe a proteção pela CLT e pela lei nº 8.203 da Previdência Social, haja vista que a Portaria N° 2.309 do LDRT (Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho) permite o enquadramento como doença desse estirpe se a exposição for decorrente da atividade laboral”, diz o advogado.

Wallace explica que uma empresa que expuser seus funcionários à contaminação pelo novo coronavírus pode ser condenada à multa ou até fechamento . Essa situação tem sido tratada por meio dos Decretos Estaduais e Municipais que informam qual segmento pode funcionar e a porcentagem que deve estar nas empresas, respeitando o distanciamento, uso de máscara, uso de álcool em gel e demais cuidados orientados pelos especialistas.

JBS enfrentou surto de Covid-19 após manter capacidade pré-pandemia

Foi o caso da unidade do frigorífico JBS de São Miguel do Guaporé (RO). A empresa não adotou protocolos sanitários e não reduziu a circulação de seus funcionários, já que se trata de um serviço essencial – a alimentação. O resultado foi um surto de Covid-19 que afetou a maioria do corpo de trabalhadores.

Em março deste ano, a JBS foi condenada a pagar dano moral coletivo de R$ 20 milhões por deixar de adotar medidas contra a Covid-19 entre os trabalhadores. 

O juiz do Trabalho Edilson Carlos de Souza Cortez considerou diversos depoimentos testemunhais no sentido de que a JBS permitiu que funcionários continuassem trabalhando, mesmo apresentando sintomas condizentes com a Covid-19.

Ele afirma que “todos os trabalhadores foram expostos a condições mais prejudiciais para a propagação do vírus”.

“Tal conduta requer a compensação pelo dano moral difuso e coletivo, com reflexo sobre os valores difusos e coletivos social e juridicamente relevantes, decorrente da violação de interesses coletivos e difusos tutelados pela ordem jurídica vigente”, diz.