O “jeitinho” para se dar bem chegou aos alimentos: fraudadores estão falsificando azeite extravirgem, mel, leite, hambúrguer, especiarias e até enganando o consumidor na compra de carnes e peixes. É comum encontrar cortes e tipos sendo substituídos por outros de menor valor. E isso tem movimentado uma fortuna anualmente: um artigo publicado pelo jornal britânico “The Guardian”, em setembro de 2021, aponta que esse tipo de fraude na indústria alimentícia mundial movimenta aproximadamente US$ 49 bilhões por ano. O próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento alerta sobre os alimentos mais fraudados no Brasil. Entre os de origem vegetal estão o azeite, com adição de óleos vegetais; a farinha de mandioca, que recebe farelo de arroz; e o café, que ganha casca, palha de café, coco de açaí, milho, trigo, triguilho, cevada e areia na moagem.
Além disso, o ministério pontua que todos os anos o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa/Mapa) realiza uma pesquisa de indícios de fraude em leites UHT, pasteurizado e em pó; carcaças congeladas de aves, cortes resfriados e congelados de frango e pescados submetidos ao glaciamento. A pasta diz que, em relação ao leite (nas três versões), é verificada a adição de soro, açúcares, sais e conservantes, dentre outras substâncias proibidas.
Para as carcaças congeladas de aves e os cortes resfriados e congelados de frango, a fraude investigada se refere à adição de água nos produtos, assim como para os pescados.
Para exemplificar as fraudes mais comuns, o EXTRA lista os alimentos mais falsificados no país.
Essa prática, inclusive, fez a Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj) criar um Conselho de Alimento Seguro, que se reúne mensalmente com representantes técnico de cada rede supermercadista para, entre outras coisas, coibir a fraude.
“Nas reuniões, são discutidas as melhores práticas, a evolução legislativa, e compartilhamos casos de fraude em um grupo com esses integrantes. Se foi detectada fraude em um determinado supermercado, avisamos no grupo, e todos buscam o produto identificado como falsificado. Recolhem os lotes, e uma amostra é enviada para análise. Somente quando sai a resposta desse exame o lote é liberado ou descartado”, explica Fábio Queiróz, presidente da Asserj.
Ele acrescenta que quando a fraude é comprovada, a associação comunica o fato às autoridades policiais, e os responsáveis respondem criminalmente pela falsificação, que em caso de condenação pode levar a uma pena de até dois anos de reclusão.
Segundo Queiróz, a fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) são realizadas regularmente nas redes de supermercados. Quando a fraude vem do fornecedor, este é chamado à responsabilidade. Um dos “queridinhos” da falsificação, de acordo com ele, são os azeites:
“Os fraudadores compram uma lata de óleo composto e outra de azeite e misturam. O que seria uma garrafa dá origem a duas. Lucro de 100%.”
Em agosto de 2021, o Ministério da Agricultura fez uma fiscalização para combater fraudes em azeites de oliva e retirou das prateleiras produtos considerados impróprios para o consumo. A ação resultou na suspensão da venda de 151.449 garrafas em São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Goiás, Paraná e Santa Catarina. De acordo com a pasta, o azeite é o segundo item alimentar mais fraudado do mundo, atrás apenas dos pescados.
Nota fiscal e SAC
O presidente da Asserj diz que o consumidor tem um papel muito importante na fiscalização desses produtos. Como? Observando a textura e o sabor do azeite, por exemplo, e caso encontre paladar, coloração, quantidade, diferentes das costumeiras em qualquer outro alimento, basta pegar a nota fiscal de compra e o produto e se dirigir ao Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) do supermercado e exigir a troca.
“Nós somos um comércio e a segurança do alimento é o nosso coração, por assim dizer, não adianta ter gôndolas cheias e a metade dos produtos serem impróprios para consumo. Alimentar a população e dar a ela qualidade de vida e protegê-la “alimentarmente” é o nosso objetivo”, afirma Queiróz, que dá a dica: fique de olho nas redes sociais da Asserj. Quando qualquer problema é identificado o consumidor é avisado.
“Reclame, acione as autoridades públicas porque segurança dos alimentos é muito importante. Faça valer seus direitos”, finaliza.
Patinho pode ser vendido como filé
Nem as carnes escapam da falsificação, e o consumidor acaba levando “gato por lebre”. O presidente da Asserj relembra um caso em que o corte de patinho, conhecido por ser uma peça bem mais barata, era vendido como filé mignon, um corte especial.
“O corte de carne é colocado na bandeja e embalado de forma a enganar o consumidor. É etiquetado com o valor da carne mais cara”, diz Queiróz: “Esse tipo de fraude é pontual, não é rotineira, e ocorre mais no interior e na Baixada Fluminense.”
Para se proteger, o comprador deve exigir o alvará da Vigilância Sanitária no açougue. O documento precisa estar exposto. Basta lembrar que a carne é um dos produtos mais fraudados por abatedouros e transportadores clandestinos. O alimento vencido ou com alto teor de gordura, por exemplo, geralmente é moído para ser vendido no balcão. O acondicionamento em embalagens comuns também favorece a proliferação de bactérias e esconde a validade.
Prefira produtos certificados. Se não houver alternativa e tiver que comprar embutidos, adquira produtos industrializados de empresas com registro no Ministério da Agricultura e com certificações que atestam métodos seguros de produção. Evite adquirir presunto, salame ou queijo fatiado em embalagens dispostas nas prateleiras.
Risco para a saúde
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) avalia que a falsificação de alimentos em geral é preocupante, tendo em vista a possibilidade potencial de gerar uma nocividade ou periculosidade ao consumidor. Por conta disso, acrescenta, envolve as esferas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e, em algumas situações, o próprio Ministério da Saúde.
“A falsificação inicialmente e isolada é matéria criminal, sendo possível a busca de Delegacias Especializadas em Crimes contra o Consumidor (Decons), quando existirem, ou se não, as delegacias de polícia comuns, inicialmente nos termos do art. 184 do Código Penal. Sem embargo, esta é a primeira esfera a ser buscada com a falsificação de alimentos”, diz a Senacon.
Para Paula Magorno, nutricionista, o primeiro risco a ser observado é o de contaminação proveniente da fabricação, que pode não seguir regras de segurança alimentar.
“Há adição de componentes que não fazem parte da composição original ou são utilizados em menores quantidades para se aproximar ou até mascarar a aparência ou o sabor do alimento. Nesses casos, a lista de ingredientes e a tabela nutricional podem não ser confiáveis, representando um risco, por exemplo, para pessoas alérgicas ou intolerantes à lactose”, explica.
A também nutricionista Sarah Gusmão chama a atenção para o risco de ingestão de alimentos cancerígenos:
“Produtos adicionados para deixar um alimento parecido com o original são perigosos e muitas vezes cancerígenos”, diz Sarah, que acrescenta: “Quando um alimento não passa por um controle de qualidade, pode ocorrer contaminação por micro-organismos patogênicos, causando intoxicação.”
A nutricionista Renata Branco acrescenta:
“Uma pessoa diabética pode comprar um produto achando que é zero açúcar, e este pode conter açúcar. Ela vai ter alterações na glicose e não vai saber por que está tendo problemas. Um diabético pode ter complicações por causa da alteração na glicose, que afetam a visão e causam desidratação e comprometimento dos rins.”
Crime contra o consumidor
Segundo o Procon estadual do Rio de Janeiro, “a venda de produtos fraudados ou falsificados constituiu infração ao Código de Defesa do Consumidor e podem ser aplicadas as sanções previstas no CDC aos fornecedores que forem identificados cometendo essa prática”.
Da mesma forma, informa o Procon-RJ, a fraude ou adulteração dos produtos também poderá constituir crime contra as relações de consumo.
“O consumidor que desconfiar que o produto adquirido é fraudado ou falsificado, poderá encaminhar sua denúncia ao Procon e/ou Delegacia do Consumidor”, orienta o órgão, que pontua: “Se for identificado que o produto está irregular, o Procon-RJ pode determinar a retirada dos produtos das lojas.”
Confira onde denunciar Infração
Segundo o Procon estadual do Rio de Janeiro (Procon-RJ), a venda de produtos fraudados ou falsificados constituiu infração ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), e sanções podem ser aplicadas aos fornecedores que forem identificados cometendo essa prática.
Relações de consumo
Da mesma forma, informa o Procon-RJ, a fraude ou a adulteração dos produtos também poderá constituir crime contra as relações de consumo.
Denúncia
O consumidor que se sentir lesado ao comprar um produto falsificado ou com embalagem trocada, por exemplo, pode fazer denúncia pelo site www.procononline.rj.gov.br ou pelo WhatsApp do Procon-RJ no número (21) 98104-5445.
Nos sites
Antes de efetuar a compra é interessante conferir a lista de produtos irregulares já apreendidos em ações do Ministério da Agricultura e Pecuária e da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) no site https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/fiscalizacao-e-monitoramento/produtos-irregulares .
Troca no mercado
O consumidor que perceber diferença no alimento pode solicitar a troca no prórpio supermercado onde fez a compra. Para isso basta pegar a nota fiscal de compra e o produto e se dirigir ao Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) do supermercado, orienta a Asserj.
Confira os alimentos mais fraudados
Pescados
A fraude mais comum em pescados é a substituição de espécies, quando é embalado um peixe diferente daquele informado no rótulo. Além disso, são comuns irregularidades como pescados sem procedência e venda com data da validade irregular. Isso acontece muito em épocas de festejos, quando há procura maior por determinados tipos de peixe, como o bacalhau.
Azeite extravirgem
O azeite de oliva virgem é o produto obtido do fruto da oliveira, somente por processos mecânicos ou outros meios físicos, em condições térmicas que não produzam alterações, e que não tenha sido submetido a outros tratamentos além da lavagem, decantação, centrifugação e filtração. Denúncias apontam que azeites de oliva virgem são vendidos como extravirgem, ou então utilizados para dilui-los e aumentar o volume do produto, o que constitui fraude.
Leite
No leite, a fraude mais comum é o acréscimo de água, que aumenta o volume e, consequentemente, o lucro. No entanto, já foram descobertos casos ainda mais graves de falsificação, como adição formol, água oxigenada e até soda cáustica. Eles são acrescentados para neutralizar a acidez, que indica a deterioração do leite a partir da ação dos microrganismos que fermentam o produto. As chances de adulterações são muito reduzidas em leite do tipo A, que é obtido de um único rebanho de forma mecânica e segue por tubulações para as etapas seguintes de processamento até o envase.
Mel
Por ter um processo longo para ficar pronto, fraudadores costumam adicionar ingredientes para fazer render e aumentar as vendas. Com foco nos lucros, alguns produtores usam xarope de milho, glucose, açúcar de beterraba ou sacarose para diluir o material original. Quando o mel cristaliza, significa que é um mel puro e de qualidade. Aqueles que sofreram algum tipo de adulteração não costumam cristalizar e indicam falta de pureza.
Café
O grão moído também é alvo de fraudes, pois pode estar misturado com variedades de qualidade inferior e até milho, soja e açaí na moagem. Em 2016, o Procon identificou 74 marcas com impurezas acima do limite legal. O café considerado puro é aquele que tem até 1% de impurezas próprias do café, como cascas do fruto e outros resíduos da moagem.
Chá
A textura e os aromas das folhas secas e moídas são relativamente fáceis de imitar. Outro ponto que ajuda os fraudadores é que, as embalagens em saquinhos, onde normalmente os chás são comercializados, dificultam o reconhecimento da farsa. A mistura adulterada pode conter folhas de outras plantas, aditivos de cor e serragem tingida.
Pimenta preta
É difícil perceber a diferença entre a pimenta preta verdadeira e a falsificada, principalmente quando se trata da versão moída. Entre os pequenos grãos pode haver amido, trigo sarraceno, farinha, milho e galhos. Ainda para falsificar a especiaria, também são usadas as sementes de mamão, já que a aparência é semelhante. O que pode acontecer também em outras especiarias moídas.
Produtos orgânicos
São alvos de fraude quando apresentam pesticidas em níveis inseguros. Para um vegetal ser orgânico, ele não pode ter sido cultivado com a presença de qualquer tipo de agrotóxico, além de outras especificações técnicas. É preciso ficar atento às certificações, como o selo federal do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SisOrg) nas embalagens e, se for comprar em feiras, o vendedor deve apresentar uma Declaração de Cadastro feita junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Outros tipos de adulteração de alimentos
Por alteração
Neste tipo de fraude há alguma característica base ou essencial do alimento, sejam elas físicas, químicas, microbiológicas, enzimáticas, e afetam a qualidade sanitária ou nutritiva do produto. Um exemplo é realizar a venda de contaminados, como se estivessem bons. A alteração pode ocorrer quando se altera propositalmente algum fator dos processos como, temperatura e tempo para obter ganhos financeiros.
Por adulteração
Sendo mais difíceis de serem percebidas por não alterarem as características sensoriais do alimento, as adulterações são realizadas para ganhos econômicos, e causam, geralmente, perdas nutricionais. Alguns casos podem ser a adição de substâncias inferiores ao produto, ou proibidas de serem adicionadas, subtração de constituintes dos alimentos, adicionar ingredientes omissos na lista. São exemplos: substituir leite por água, azeite de oliva por óleo vegetal.
Por falsificação
A falsificação em alimentos, assim como em outros produtos, significa enganar o cliente, induzindo-o a adquirir um produto de qualidade inferior, julgando-o superior.
Por sofisticação
Muito parecida com a falsificação, a fraude por sofisticação visa a enganar o cliente. O consumidor compra um produto acreditando ser original. Acontece com bebidas, por exemplo. São falsificadas e vendidas nas embalagens originais que foram reutilizadas.
Fonte: Lorena Coimbra, mestre em Ciências e Tecnologia de Alimentos pela IFRJ e Engenheira de Alimentos pela UFRRJ, e diretora e Fundadora da Foodtech Consultoria