A melodia é aquela que já encantou o mundo todo, criada por Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Mas agora a garota já não vem de Ipanema. No single “Girl from Rio’’, o grande clássico da MPB ganhou releitura de Anitta. A Poderosa de Honório Gurgel dá destaque à cidade carioca que não é vista nos cartões postais, mas nem por isso é menos vibrante. Quem faz o doce balanço, por exemplo, são as musas da vida real, com corpos belos e curvilíneos que nada se parecem com as modelos de passarela. E o mar e o sol brilhantes da Zona Sul foram substituídos pelo festivo Piscinão de Ramos.
“Hoje temos mais empoderamento de todos os tipos de corpos, todas as belezas são valorizadas. A gata, gostosa, não se resume a uma modelo. A mulher tem curvas. E uma energia. A vibe brasileira, carioca, é algo que transcende tudo. O fim de um estereótipo é uma grande conquista”, valoriza Anitta, ao comparar a música da década de 1960 e com a atual.
A análise de Anitta está longe de incomodar Helô Pinheiro, a grande inspiração do hit da Bossa Nova. Com 75 anos, a eterna musa é só elogios à funkeira como uma legítima representante das garotas cariocas mundo afora.
“Eu sou a garota daquele velho tempo, mas não é que eu seja velha (risos). A garota de Ipanema era mais centrada, calma, andava no trilho de uma obediência rígida. Éramos mais medrosas, eu me sentia até enclausurada. Ainda bem que o tempo evoluiu, as pessoas abriram a cabeça. E a Anitta é a garota de agora. Conquistou muita coisa cedo, tem personalidade, bate de frente, não se importa com as críticas, é autossuficiente. Eu queria um pouco disso dela em mim”, derrete-se Helô, de 75 anos.
Mesmo tantos anos depois, a loura não se cansa de relembrar as histórias da época que a lançou ao estrelato. Também nunca enjoou da música, que é toque da caixa postal de seu celular. E ficou curiosa com a versão de Anitta.
“Eu ouço funk e de tudo um pouco. Não tenho preconceito com estilo de música. Acho que cada um é para um momento. Lembra quando a Tici fez quadradinho de oito na TV e deu a maior repercussão? Se estivesse lá, faria junto com ela. Eu danço aerojazz e uma amiga até perguntou se eu dançaria com a Anitta. Se ela me convidasse, claro. Não é porque estou com certa idade, que não tenho vitalidade”, diverte-se: “Garota de Ipanema” é a segunda música mais tocada no mundo, fez sucesso primeiro lá fora para o país reconhecer. Pode ter sido esse o pensamento de Anitta para fazer como porta de entrada lá, né?”.
A tese tem fundamento.
“Quero levar a cultura do Brasil. Só faz sentido para mim seguir uma carreira internacional assim. Além disso, claro que um dos motivos para querer o reconhecimento do exterior é também para diminuir o preconceito. Foi assim mesmo com a Bossa Nova. É o que existe com o funk, com a mulher que também fala com o corpo, que é verdadeira com suas escolhas”.
Você viu?
Escolhas que também viram notícia quando se fala da vida pessoal. Anitta explora a sensualidade na letra da promessa de hit. Brinca com a troca constante de namorados e fala da personalidade que é “quente como o verão e fria como o inverno”.
“Está vendo? Ela tem personalidade. Se fosse analisar a música com os olhos da época em que tinha a idade dela, a classificariam como algo erótico. A mulher tinha que casar virgem. Eu casei assim. A minha avó falava para eu não entregar meu tesouro, senão eu nunca teria uma família feliz. Acho que hoje em dia as pessoas têm mais é que experimentar mesmo, conhecer a pessoa não só na índole, mas também na cama. Porque depois, se não gostar, o casamento pode falhar. Graças a Deus, a minha relação deu muito certo, mas poderia não ter sido assim”, diz Helô, que é casada desde 1966 com Fernando Abel Pinheiro.
Gravar no Piscinão de Ramos transporta Anitta aos tempos de infância, quando ia com toda a família no fim de semana. Também a fez lembrar do show de réveillon que comandou no local há dez anos. Saber que agora o mundo todo pode assistir o lugar de onde vem a deixa eufórica.
“É totalmente diferente o motivo pelo qual voltei para gravar o clipe. E agora todo mundo vai assistir. Caramba, é muita loucura. É o Piscinão de Ramos no mundo”, diz a cantora, aos risos.
Dessa mesma época, a funkeira não ia para a Zona Sul com a mesma frequência. Costuma dizer que só foi conhecer a parte nobre da capital fluminense quando já era famosa. Do outro lado, Helô nunca frequentou a praia artificial da Zona Norte. Mas já teve seus tempos de passar por Honório Gurgel no início da vida adulta.
“O Piscinão eu só conheço de nome, nunca fui. Mas quando inaugurou eu achei uma boa iniciativa para quem está tão afastado da praia e não pode ir sempre, é uma forma de entretenimento, de se refrescar e de aliviar o calor do Rio, que é intenso. Já Honório Gurgel eu conheço. Comecei minha carreira de professora primária do Estado dando aulas. Passei por Padre Miguel, Realengo, Penha, depois fui para o Centro, quando comecei a trabalhar em escritório de assistência ao menor, na secretaria de serviços sociais. Foi então que a música estourou, não tive mais tempo para nada, casei e a vida foi tomando outro caminho”.