João Côrtes passa a apostar agora no universo cinematográfico como roteirista e diretor. O ator — que está confirmado em “O Anjo de Hamburgo”, primeira série brasileira global a ser gravada totalmente em inglês, em parceria com a Sony; “Sala dos Professores”, do CineBrasil TV; “The American Guest” (O Hóspede Americano), da HBO; e “The Journey”, ambas coproduções Brasil-EUA — acaba de lançar seu primeiro projeto autoral nessas novas funções.
Disponível nas plataformas digitais desde o dia 8 de julho, o longa-metragem “Nas Mãos de Quem Me Leva” já foi exibido em alguns festivais internacionais durante o ano de 2020 e premiado em eventos como New Cinema — Lisbon Monthly Film Festival, em Portugal, e o Seoul International Short Film Festival 2020, na Coreia do Sul. Para saber mais sobre essa e outras novidades, ele bateu um papo com o iG Gente. Confira!
1. Como foi a experiência de estrear por trás das câmeras? Já tem em mente o próximo trabalho?
Enriquecedora! Tudo novo, uma mistura de medo, insegurança, alegria e borboletas na barriga. Mas foi incrível. Dizem que a vida acontece fora da zona de conforto, né? E foi exatamente isso! Um processo desafiador, mas muito potente. Eu me vi ainda mais apaixonado por cinema, descobri essa paixão por escrever e dirigir. A atmosfera do set de filmagem é fascinante. E posso dizer que estou há algum tempo trabalhando no roteiro do meu segundo longa.
2. Antes da estreia, “Nas Mãos de Quem Me Leva” competiu em diversos festivais pelo mundo. Como foi ver sua primeira experiência como roteirista e diretor ganhando esse reconhecimento internacionalmente?
No início, é quase como um sonho. Difícil de acreditar, pois trata-se de um trabalho tão pessoal, tão íntimo, que rola um estranhamento quando compartilhamos com outras nações. É como um filho que você assiste crescer e conquistar seu próprio caminho. Ao mesmo tempo, fui preenchido de uma gratidão imensa, de esperança no cinema, na arte… É revigorante ver seu projeto sendo reconhecido e aplaudido.
3. Como surgiu o roteiro? Alguma história específica o inspirou?
Sim, a imagem de uma grande amiga minha, que nem é atriz, me veio à mente: uma jovem mulher grávida, dirigindo um carro em uma estrada, com o sol brilhando em seu rosto. Ela chora algumas lágrimas, com o coração partido. Esse embrião de ideia surgiu na minha cabeça e me pareceu extremamente poético, estimulando-me a querer escrever e desenvolver essa trama. Seria isso o início de um filme? Ou o final? O que teria acontecido? Para onde ela está indo? Enfim, tudo isso me pareceu interessante, então, decidi investir. A partir daí, o texto foi surgindo.
4. O filme aborda diversos temas com que o público pode se identificar. Qual mensagem você acredita ser a mais importante?
Talvez a de liberdade, independência, de que somos capazes de escrever nossa própria história, nosso destino. Mas, dentro desse conceito, existem todas as nuances, cores e dinâmicas desafiadoras que surgem das relações humanas que estabelecemos durante esse processo de libertação, as quais envolvem família, amigos, amores… É a ideia de que não somos definidos pelo nosso passado ou pelo que acontece conosco. Nós definimos a nossa identidade e escrevemos nossa realidade a cada dia. Isso exige muita coragem, mas, quando conseguimos absorver, é revolucionário.
Você viu?
5. O projeto teve como referência os cinemas francês, sueco e escandinavo. Para você, quais diretores são referência?
Nossa, tem vários: Almodóvar, Woody Allen, Leos Carax, Paolo Sorrentino, Luca Guadagnino, Jacques Audiard, Bavo Defurne, Xavier Dolan, enfim. A lista é grande.
6. Em “O Anjo de Hamburgo”, você interpretará um alemão nazista. Como foi a sua preparação?
Foi talvez uma das melhores e mais intensas que já vivi, justamente por conta de quão desafiador o papel foi pra mim. Existiam algumas camadas a serem vencidas. A primeira e maior foi a do sotaque. Estava interpretando um jovem soldado alemão, de Hamburgo, falando inglês britânico, em 1940. É completamente diferente do inglês com que estou habituado a falar.Tive que repensar toda a maneira de olhar para a língua e reaprender a falar, literalmente.
Depois houve o desafio de mergulhar no contexto histórico da Segunda Guerra Mundial e o peso e a dramaticidade que essa época traz junto. Precisei encarar e entender, na pele, o que meu personagem viveu e atravessou, mas foi fantástico e muito potente. Eu me entreguei de corpo e alma, e acredito (e espero) que isso tenha sido refletido na tela.
7. Nas Olimpíadas, a falta de investimento no esporte virou tema de debate, assim como a cultura e a educação. Como enxerga isso?
É muito simples, se você prestar atenção. Nosso país é abundante em recursos naturais, em paisagens, em diferentes cenários e em talento. O que mais temos por aí são jovens transbordando potência, inteligência e brilhantismo. Só o que não há é oportunidade, e é isso o que separa as pessoas dos seus sonhos. O Brasil está atravessando um dos momentos mais obscuros de sua história como país. E a ausência de dedicação a áreas assistenciais é parte fundamental disso. Mas esse assunto é tão profundo, tão delicado, porque é enraizado em todas as questões que nos atrasam como nação.
8. Qual personagem foi o mais desafiador até agora? Por quê?
Olha, acho que foi o que fiz em “O Anjo de Hamburgo”. Ele exigiu mais de mim, em termos de ensaio e preparação, e o que mais me tirou da zona de conforto. Além dele, posso citar o Kléber, um dos primeiros grandes papéis que fiz na carreira, na série “Os Experientes”, dirigido por Fernando Meirelles, produção da O2 Filmes, com coprodução da Globo. Filmei em 2013, e foi ao ar em 2015. Esse trabalho também foi árduo, por meio do qual tive uma carga emocional superintensa, ainda mais que estava no início da profissão, com 17/18 anos.
9. Além da série da Globo, você está confirmado em outras duas produções em inglês, “O Hóspede Americano” e “The Journey”. Como é a experiência de gravar em outra língua? Sentiu alguma diferença?
Eu adoro! Amo falar em inglês, sempre gostei e me sinto muito conectado com a cultura americana e a sua língua. Faz todo sentido pra mim, já que muda completamente a dinâmica e transforma a ótica sobre o ofício. O tempo das falas, a embocadura, o tom de voz, tudo. É quase outra profissão. Fora isso, enriquece o trabalho. Desde o roteiro até a cena, as cores mudam. Eu quero (sem dúvida) continuar fazendo projetos que misturem outros idiomas e culturas, como o espanhol e, quem sabe, o italiano.
10. Apesar da pandemia, você produziu bastante. Conseguiu aproveitar para ler, ver séries, filmes? Se sim, tem alguma indicação?
Sim! Muito! Nesse sentido, foi fantástico. Pude assistir a todas as séries e filmes, e ler as obras que queria, mas não tinha tempo. Realmente me dediquei a absorver conteúdos, estudar, aprender etc. E tenho várias dicas boas. Li um livro transformador chamado “Homo Sapiens — Uma Breve História da Humanidade”, de Yuval Noah Harari, e “Suicidas”, de Raphael Montes. Valem muito! Recomendo estas produções incríveis: “Succession”, “Young Royals”, “Ratched”, “White Lotus”, “Sex Education”, “Killing Eve”, “The Handmaid’s Tale”… Só coisas muito boas. Alto nível.