Gloria Pires tem escolhido levar para o trabalho questões que dialogam com a mulher que ela é hoje, aos 58 anos. Tanto que vai estrear como diretora de cinema em um filme que discutirá a pressão pela eterna juventude feminina. Batizado de “Sexa”, o longa é uma comédia de Guilherme Gonzales, gira em torno de uma “sexagenária sexy” e parte da premissa de que “existe vida após os 60 anos”, resume a atriz.
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– Quero falar de idade, dessa luta contra o tempo em que muitas mulheres ainda estão, da ideia de que só a juventude e a pele esticada são boas, da pressão pela perfeição – explica a atriz, que também vai protagonizar o longa, uma produção da Giros Filmes, em parceria com a Audaz Filmes, prevista para ser rodada ainda este ano.
Na trama, três mulheres de idades diferentes (50, 60 e 80) questionam os padrões com humor, recurso que, na opinião de Gloria, permite absorver lições profundas com leveza.
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– É uma comédia inteligente em que a gente ri de si mesma e, ao mesmo tempo, traz questões que as mulheres estão passando. A vida é séria, mas não quer dizer que temos que em que andar com uma pedra em cima da cabeça o tempo todo, né? – diz ela, que provou ter fair play quando transformou em camisa o meme “Não sou capaz de opinar”, inspirado em frase que repetiu durante sua participação na transmissão do Oscar de 2016.
As reflexões sobre a passagem do tempo também aparecem, literalmente, na cabeça de Gloria, que deixou de pintar os famosos cabelos pretos. Era uma decisão que ela adiava havia tempos por conta do trabalho, mas que a pandemia permitiu (“era uma chatice correr para o salão há cada dez dias porque estava nascendo um cabelinho branco”). Agora, ostenta orgulhosa os fios grisalhos. Embora eles tenham lhe dado um ar chique, eles não são são unanimidade ao redor da atriz. O marido, o músico Orlando Morais, curtiu:
– Ela ficou mais linda ainda. Além do mais, a gente mora num país machista onde não existe outra mulher a não ser a jovem. Gloria quer ter cada vez menos artifícios que colaborem para esse olhar carimbado.
Já Bento, filho caçula do casal, vive pedindo para a mãe voltar a tingir os fios.
– Acho bonitinho porque ele diz: “Você ainda é jovem”. Talvez isso passe pela constatação de que os pais estão ficando velhos – analisa. – Mas se quero fazer algo, faço. Ao redor, as coisas se acomodam. Acho que precisamos saber o que faz sentido para a gente. Se colocamos no olhar, na fala ou na ação do outro algo que buscamos, não estamos realmente buscando, mas pedindo autorização para seguir naquele caminho. Há mais espaço para falar disso hoje e também já se desmistificou a história de que quem não pinta cabelo é uma pessoa relaxada, que se entregou.
Além de estar se sentindo bonita, Gloria diz que o novo cabelo a faz se ver num lugar mais confortável hoje, que faz mais sentido agora.
– Parece que o cabelo branco me autorizou, sabe? A dizer não, a fazer o que acho que preciso e me faz bem. A ser, a falar e a vestir coisas que queria, mas me sentia meio fora de lugar. Eles são uma realidade. Estou com 58 anos, cheguei aqui, aos trancos e barrancos, caindo e levantando, sofrendo. É daqui para frente, sabe?
Não que chegar a esse desprendimento tenha sido fácil. Na verdade, a caminhada sempre passa passa pela desconstrução de padrões internos. Gloria, por exemplo, foi uma “crítica ferrenha” da tecnologia HD na televisão (“é algo feito para entender o sexo das amebas e não para colocar na cara das pessoas, né?”) e não nega que já recorreu procedimentos estéticos.
– Já fiz cirurgia, me cuido à beça. Mas sempre tive receio de novidades milagrosas. Agora, estão tomando um remédio de diabetes para emagrecer. Tenho medo. Sabe o que eu faço? Deixo a vontade de experimentar passar. Já passei pela época em que queria fazer cirurgia no nariz e tirar costela. Fiquei sentadinha, esperando a vontade passar – brinca. – Volto para o espelho e entendo se aquela pelanca, realmente, está me incomodando. Quando conheço algo que me dá segurança, faço. Mas com sutileza, não quero perder a minha referência. As redes sociais pioraram muito esse negócio. As pessoas ficam se vendo, se fotografando o tempo todo e começam a pirar nessa história de querer ficar com a cara do filtro.
Mas vão muito além da estética os assuntos do universo feminino de que Gloria deseja falar. No filme, “A suspeita”, que estreou na última quinta-feira (16) e marca a estreia da atriz na produção, ela encarna Lúcia, uma comissária da polícia civil acusada de um crime. Em meio aos esforços para provar sua inocência e desmascarar colegas de trabalho corruptos, ela, que abriu mão de construir uma família por conta dos riscos da profissão, descobre que sofre de Alzheimer.
– Buscamos a sensação de alguém que se perde o tempo todo nesse não lugar, a angústia, a solidão. Queríamos falar dessa mulher não glamourizada, que vê na posição contrária aos homens. Porque eles têm pouco a abrir mão da vida pessoal, tudo se ajusta para que tenham espaço para criar, viajar em busca da melhor oportunidade. A mulher está sempre mais limitada, como se os filhos e a casa fossem coisas só da mulher – critica Gloria, que ganhou o Kikito de melhor atriz no 49º Festival de Gramado com o papel, numa atuação em que se destacam os apagões da personagem em cenas regadas a um silêncio angustiante.
Diretor do longa, Pedro Peregrino, que já tinha dirigido a atriz na série “Segredos de Justiça”, diz que o olhar da atriz foi fundamental para a condução do projeto.
– Estávamos fazendo um filme feminino, eu precisava estar atento a tudo que vinha dela. É muito talento, experiência e generosidade reunidos na mesma atriz.
Foi ela, inclusive que identificou a necessidade de regravar uma passagem em que Lúcia não teve o protagonismo que merecia. Há, portanto, fortes indícios de que a atriz, produtora também de filmes como “Vovó ninja” e “Desapega”, está mais que pronta para estrear na direção. Coisa que o colega de profissão e amigo Tony Ramos percebeu há tempos.
– Glorinha está preparada para tudo, dirigir cinema, TV… Ela vem produzido, está no mercado e atenta. Estamos falando de Gloria Pires, uma das maiores. Uma atriz brasileira que conhece a gente brasileira e nunca teve vergonha de ser popular – define Tony, parceiro dela em projetos de sucesso como a novela “Belíssima” e os filmes “Se eu fosse você” (1 e 2). – Fico aqui buscando adjetivos para dizer o quanto admiro a Gloria atriz, mãe e mulher, uma a pessoa que a gente sabe que é do bem.
Colocar a mão na massa também nos bastidores foi a forma que Gloria Pires encontrou de escolher os projetos de que deseja participar.
— A vida toda fui escolhida para papéis. E me ressentia de chegar muito em cima da hora para fazer. Acho importante o tempo de preparação, entrar naquele universo e não ficar só repetindo falas, chorando ou beijando. Escolher projetos, personagens e atuar no roteiro me abrem portas e perspectivas.
Ela não se coloca no grupo de atrizes que procuraram produzir seus próprios projetos por verem escassear os bons papéis à medida em que a idade foi avançando.
— Seria muito injusto da minha parte dizer isso. Porque eu nunca parei! — constata ela, escalada para “Fuzuê”, novela das 19h, prevista para 2023.
E a atriz agora se serve da experiência de quem estreou aos 8 anos na TV não só para seguir nas novas funções como para enriquecer o trabalho de atuação. Autodidata, ganhou dos pais, aos 13 anos, o livro “A preparação do ator”, de Constantin Stanislavski, que considera um “divisor de águas” em sua vida.
— Fala sobre o ator sentir a si mesmo no lugar do personagem, buscando a aproximação pela vivência. Sobre se usar de laboratório se colocando naquele lugar sem julgar, mas sendo. Com a bagagem que tenho agora, isso faz ainda mais sentido para mim.
Com 50 anos de trajetória profissional, Gloria tem fama de seríssima no trabalho. Sempre manteve firme as suas convicções, principalmente diante de uma questão específica: as cenas de nudez que considerava desnecessárias.
— Sempre questionei por que era a mulher pelada e nunca o homem — afirma ela que, ao contrário de muitas atrizes da sua geração, nunca posou nua para revistas masculinas. — Não que elas estivessem erradas, mas não fazia sentido para mim, nunca me senti à vontade. Não saberia fazer com naturalidade alegria e prazer.
Essa posição sólida jamais a protegeu dos assédios.
— Tive assédios de pessoas com mais poder que eu. Reagi com diplomacia, fazendo “a egípcia”. Diante de convites, deixei a pessoa falando sozinha. Sabe aquela hora em que a gente diz: “Olha, parece que vai chover”…
Dentro de casa, Gloria sempre inspirou os quatro filhos — Cleo, Antonia, Ana e Bento — a se colocarem também. O desejo dela e de Orlando, seu marido há 35 anos, era de que eles pudessem ser quem são com toda a potência e liberdade.
— Minha mãe me ensinou que a minha liberdade termina onde a do outro começa. A ter responsabilidade desde cedo, a entender as consequências dos meus atos. Me ensinou a respeitar o outros e a me respeitar — diz Cleo.
Orlando conta que a frase de ordem debaixo daquele teto é: “Bota para fora o que está aí dentro que a gente te ajuda a organizar”. Drogas, sexo e até fofocas inventadas sobre a família… Qualquer tema é debatido sem tabu, garante o casal.
— Nossa casa é um berço de amor construído — define Orlando, sem negar as dificuldades de envelhecer. — Gloria chegou plena à maturidade, com segurança e uma felicidade calma que entende que nem tudo é perfeito, e nem todos os dias serão bons, que vamos perdendo os amigos. Ela tem um caráter excepcional, é pessoa ampla, sem muros, que abraça com verdade as coisas dela. É uma leoa que tem que estar com os filhotes e com o marido. Temos uma vida muito normal. Gloria nunca trouxe a Globo para dentro de casa.
– copnta ela, que diz não se incluir no hall de atrizes que viram escassear os bons papéis à medida em que a idade avançou. – Seria injusto da minha parte me incluir no lugar das atrizes que depois dos 40 perdem o espaço.
O fato é que produzir abre portas e o leque de perspectivas em relação a personagens e histórias para contar. E Glória se serve da própria experiência e bagagem não só para seguir nas novas funções como para enriquecer o trabalho de atriz.
– Não tenho uma formação acadêmica, sou autoditada, comecei a trabalhar muito nova, com muitas inseguranças. Quando eu tinha 13 anos, meus pais me presentearam com o livro “A preparação do ator”, do (Constantin) Stanislavski, que foi um divisor de águas pra mim. Fala dessa questão de o ator sentir-se a si mesmo no lugar do personagem buscando a aproximação pela vivência, de o o ator poder servir como laboratório para se colocar naquele lugar sem julgar, mas ser. Com a bagagem que tenho agora, tudo isso faz ainda mais sentido.
Com uma trajetória profissional que soma 50 anos, Glória tem fama de ser seríssima no trabalho. E uma atriz que sempre manteve firme suas convicções e buscou se colocar, principalmente diante de cenas de nudez que considerava desnecessárias.
– Sempre questionei por que era sempre a mulher pelada e nunca o homem. Isso sempre foi uma questão para mim. Não é uma críitica, mas nunca me senti à vontade – afirma ela que, ao contrário da maioria das atrizes de sua geração, não posou para revistas masculinas. – Não fazia sentido para mim, não era uma coisa que eu saberia fazer com naturalidade alegria e prazer.
A posição firme, no entanto, jamais a protegeu de assédio.
– Tive situações de assédio com pessoas que tinham mais poder que eu. Reagi com diplomacia e fazendo a egípcia. Diante de uum convite ou proposta, deixei a pessoa falando sozinha. Sabe aquela hora em que a gente diz: ‘Olha, parece que vai chover”.
Dentro de casa, Glória sempre inspirou os quatro filhos (Cleo, Antonia, Ana e Bento) também se colocarem. Orlando conta que a frase de ordem debaixo daquele teto é: “Bota para fora o que está aí dentor que a gente ajuda a organizar”.
– Minha mãe me ensinou a ter responsabilidade desde cedo, a entender as consequências dos meus atos, que a minha liberdade termina onde a do outro começa. Me ensinou a respeitar o outros a me respeitar.
Drogas, sexo, fofocas inventadas sobre a família… Qualquer tema é colocado na roda sem tabu para o debate, garante o casal. O desejo deles sempre foi que os filhos pudessem ser quem são com toda a potência e liberdade, mesmo que incomodem.
– Nossa casa é um berço de amor construído todo dia. Glória tem um caráter tão excepcional, é uma pessoa ampla que abraça com verdade as coisas dela, sem muros. Chegou plena à maturidade, com segurança e essa felicidade calma que entende que tudo não é perfeito, que nem todos os dias são bons – diz Orlando. – Quando se está amparada no verdade, as coisas ficam mais fáceis. E Glória é uma leoa, tem que estar com os filhotes e com o marido dela. Temos uma vida comum, normal. Glória nunca trouxe a Globo para dentro de casa.
Falando nisso, a atriz está escalada para a novela das 7, “Fuzuê”. Vai encarar uma mulher misteriosa, que foi cantora na Lapa.