Um homem além de seu tempo, um visionário, um apaixonado, um louco. O poeta e jornalista Flávio Sampieri atravessou 74 anos de vida ouvindo de amigos e pessoas próximas essas e outras definições para a vida que escolheu.
Estivesse vivo, completaria 85 anos na próxima terça-feira, dia 5. Não está e seu currículo merece um adjetivo a mais: injustiçado. Flávio, que faleceu há exatos dez anos no dia 1º de maio de 2005, merecia ter sua memória melhor preservada e difundida na cidade.
Filho do comerciante Braz Sampieri e sua esposa, Rosa, Flávio nasceu em 1930 em Avaí, o oitavo de 11 filhos, mudou para Marília aos três anos e ainda menino, apaixonado por uma professora, começou a escrever poemas.
Aos 20 anos era uma cidadao marliense de coração e uma alma irriquieta que tomou o rumo que ditaria sua história, mudaria cenário das artes e colocaria Marília no mapa da cultura no Estado: lançou o jornal O Caiçara, destinado à poesia e literatura. E por quase dois anos manteve este sonho.
O jornal mensal era lido em diferentes cidades, distribuído em São Paulo, difundido por pensadores, professores, estudantes e jornalistas como Nildo Carlos, outro morador de Marília que apaixonou-se por letras e fez brilhante carreira em jornais, revistas e depois como escritor na capital. Um jornal tão diferenciado que conseguiu aprovação de verba especial na Câmara para suporte financeiro à publicação.
O jornal atraiu e publicou diferentes criações, revelou para a cidade outro talento, o do poeta e escritor João Mesquita Valença, que hoje empresta seu nome à Biblioteca Municipal da cidade. Mas o Caiçara, ideia que nasceu dos encontros e discussões de outro marco cultural da cidade, o Clube de Cinema, sucumbiu à fata de patrocinadores.
E quando acabou, o editor saiu dele um autodidata esforçado, que apesar de um bom desempenho geral, abandonou os estudos ao começar o antigo clássico, hoje ensino médio. Foi assim, com ensino fundamental, que Flávio apaixonou-se por autores de diferentes estilos, devorou livros, poesias, contos e usou em sua atuação como jornalista este conhecimento.
O fim do jornal colocou o poeta em outras aventuras. A primeira foi tentar viver sem poesia, com uma loja de calçados por encomenda – seguindo profissão que o pai ensinou. Braz Sampieri foi durante muitos anos o dono de uma celebrada casa de calçados e trabalho com couro na cidade.
Na mesma época em que montou a loja, Flávio esboçou o que seria seu relacionamento mais sério: viver junto com a namorada. Nenhum dos dois projetos deu certo: a vida dos saraus, da noite, músicas e poesias tirou Flávio Sampieri da loja e da namorada, colocou no mundo.
O poeta caiu na estrada com exemplares do seu O Caiçara, poesias, textos diversos e foi tentar divulgar em outras cidades o conteúdo cultura que perdeu espaço em Marilia. Acabou roubado e foi resgatado por familiares e amigos para retornar à cidade.
Ainda tentou atuação no jornalismo. Escreveu para diferentes jornais como colaborador e na década de 80, aos 56 anos, foi o editor de um jornal com duas edições por semana, o Marília Notícias, com jovens reportagens e alguns profissionais já em atuação no mercado, como Luiz Monteiro e Marco Aurélio Zaparolli. O tabloide seria depois transformado no jornal Diário.
Afastado da redação, voltou ao comércio, ao ramo de representação comercial em couro e tecidos, mas nunca deixou de publicar colaborações. O Diário foi abrigo para seus últimos poemas, crônicas e textos sobre cotidiano, a cidade, amor, religião.
Em 2005 foi diagnosticado com um tumor no intestino. Operado passou a ser cuidado por familiares, especialmente a irmã Neide e o cunhado Nivaldo. Beirava os 75 quando faleceu. Deixou poemas e quadras espalhadas para amigos, familiares e em arquivos pessoais que manteve até os últimos momentos. Sem perder a lucidez, levou a poesia até o fim.
O Giro Marília recolheu algumas das poesias que ficaram com familiares e inicia a partir de domingo, dia 3, a publicação semanal de alguns dos textos. Uma homenagem póstuma ao pensador que merece outras, maiores, para ser lembrado e estudado.