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Pênalti do Inmetro para veículos elétricos é retrocesso na mobilidade

Pênalti do Inmetro para veículos elétricos é retrocesso na mobilidade


Fala, galera. Beleza? A semana passada trouxe algumas emoções à flor da pele com o anúncio pelo Inmetro de uma nova forma de mensurar a autonomia dos veículos elétricos. Parece ser bom termos uma base de cálculo conforme a realidade brasileira. Seria se as intenções não fossem obscuras e com divulgação de dados totalmente desalinhados em comparação com os veículos elétricos.

Mas antes de entrarmos nos detalhes da nova base de cálculo imposta pelo Inmetro, gostaria de apresentar os modelos praticados em outros países.

NEDC (New European Driving Cycle): Trata-se do primeiro padrão de testagem desenvolvido, por volta da década de 1980. Consiste em um teste de laboratório com poucas variáveis e apresenta os resultados mais otimistas. Apesar de apresentar a palavra “European”, é o padrão mais utilizado pelas montadoras chinesas para divulgação de autonomia. Por experiência própria, apesar de ser bem otimista, é possível se aproximar bastante desta autonomia em uso urbano.

WLTP (Worldwide Harmonised Light Vehicle Test Procedure): Muito mais moderno, o WLTP consiste no teste em mundo real, por um tempo e distância maior, considerando o hábito europeu com a maior parte do tempo em ambiente urbano e uma parte menor em ambiente rodoviário.

EPA (Environmental Protection Agency): Consiste no método utilizado pela agência americana que dá o nome ao teste e consiste em uma metodologia semelhante ao WLTP, mas com base nos hábitos de condução americano que faz um uso rodoviário maior que o europeu (aproximadamente 60% urbano e 40% rodoviário).

Existem outros métodos, mas os três modelos acima são os mais difundidos e aceitos globalmente. Claro que não poderíamos deixar de ser inovador e criar um próprio padrão. Seria muito legal se fôssemos um país maduro o suficiente para querer dar alguma opinião.

Mas já que o Inmetro decidiu reinventar a roda, vamos avaliar nosso querido PBEV (Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular): Consiste em dados laboratoriais encaminhados pelos fabricantes de forma voluntária com base na Portaria 391/2008 do Inmetro. Estes devem seguir os procedimentos, métodos e critérios constantes na Norma ABNT NBR 7024:2006, e serem realizados em laboratórios previamente credenciados.

Na prática PBEV define um modelo padronizado para avaliação do consumo energético dos veículos em MJ/km, independente se são eletrificados ou não. Dessa forma, é possível avaliar a sua eficiência energética com os demais modelos de sua categoria, independente da motorização.

Por exemplo: O Renault Kwid e-tech apresenta um consumo energético 0,44 MJ/km enquanto a sua versão à combustão possui o valor apresentado de 1,36 MJ/km. Em resumo, o veículo à combustão possui um consumo energético de mais de 3 vezes em comparação a sua versão elétrica.

Para se ter uma referência mais próxima do nosso dia a dia, significa rodar 15,3 km/l de gasolina na cidade com a versão à combustão ou 52,7 km/l na versão elétrica, de forma equivalente.

Ué, mas a conta não está batendo. Bem, acho melhor você consultar a própria tabela do Inmetro para entender .

Ok, mas o exemplo que foi dado é benéfico aos veículos elétricos. Qual o problema?

Em primeiro lugar, os cálculos apresentados trazem resultados bem diferentes daqueles apresentados nos ciclos EPA e WLTP. Utilizando os dados do Volvo C40, a sua autonomia no ciclo WLTP 420 km seria reduzida para 359 km (guardem esse “seria”, ele é muito importante).

Foi possível observar que o método PBEV é ainda mais pessimista que o EPA, que já é mais pessimista que o método WLTP. Quem diria que o Inmetro seria mais exigente que as agências americanas e europeias.

Todavia, as diferenças acabam na medição de consumo energético por km. Os veículos à combustão continuarão tendo os dados divulgados em km/l. Mas a jabuticaba entra em um campo exclusivo para os veículos eletrificado (híbridos e elétricos).

Os veículos eletrificados deverão trazer a informação de autonomia no modo elétrico conforme o PBEV. Antes que eu traga a cereja do bolo, posso dizer que o método EPA já se mostrava bem pessimista em comparação com a realidade aplicada pelos motoristas de veículos elétricos no Brasil.

No caso do Chevrolet Bolt, a autonomia declarada pela montadora é de aproximadamente 420 km de autonomia com o ciclo EPA. Não são poucos os relatos de donos de Bolt relatando autonomias superiores a 500 km em condução totalmente rodoviária. Inclusive, temos lendas vivas que já passaram dos 600 km sem precisar recarregar o carro.

Trazer uma autonomia muito abaixo do praticável geraria desestímulo para migração de um veículo à combustão para o modelo 100% elétrico. Muitas pessoas já pensam que 420 km é pouco, imagine se o número apresentado for 359 km. Lembrando que nada mudou nos carros, apenas a forma de medir a autonomia.

Agora, lembra do “seria” que falei logo acima? Pois então chegou a hora de revelar o maior problema. Em colaboração com a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), o Inmetro decidiu aplicar um pênalti (sim, essa foi a palavra usada) aos veículos eletrificados de singelos 30% sobre o novo valor calculado. Ou seja, em vez do Volvo C40 apresentar a autonomia de 420 km, a nova informação é de 247 km (pode verificar lá no site da Volvo ). Mesmo carro, mesma bateria, resultados diferentes.

Mas o que significa esse pênalti aplicado? Significa que a Inmetro decidiu trazer o pior cenário possível de autonomia para o consumidor não ficar desapontado caso ele dirija de forma, diria, inadequada. Muito bela essa atitude.

Essa atitude é tão louvável que deve ter sido aplicada nos carros à combustão também, não? Mas o pênalti foi imposto apenas para os eletrificados. Provavelmente porque o Inmetro duvida da capacidade de adequação do consumidor brasileiro para entender que necessita mudar a forma de dirigir para obter melhores autonomias.

De forma bem clara, o Inmetro quer dizer para o consumidor brasileiro que, do modo que ele dirige, ele conseguiria rodar apenas 247 km com um carro que custa quase R$ 430.000. Bela publicidade para a mobilidade elétrica.

Não pensem que a participação da Anfavea nesta jabuticaba é coisa de teoria da conspiração. Em entrevista dada para o site Use Elétrico, o diretor técnico Henry Joseph Junior informou que “a Anfavea não só concorda como participou ativamente de todos os debates com o Inmetro para chegar a esse sistema com deságio de 30%.”

Não sei o que vocês pensam, mas com a data limite na União Europeia para produção de veículos à combustão, as montadoras precisam desovar seus carros em algum lugar. Por que não no Brasil? Já somos conhecidos por comprar veículos, digamos, menos interessantes que aqueles vendidos no mercado europeu e americano.

Os veículos elétricos começaram a cair no gosto da população que possui mais informação e começou a crescer de tal forma que tivemos o primeiro mês com mais vendas de veículos eletrificados do que veículos movidos exclusivamente à gasolina no ano de 2022. Então, foi necessário inventar algo para diminuir o interesse. Já pensou se a moda pega?

Mas então como podemos combater a desinformação institucionalizada? Bem, como diz o velho ditado: contra fatos, não há argumento. Em uma ação inédita, a ABRAVEi (Associação Brasileira dos Proprietários de Veículos Elétricos Inovadores) lançará em breve uma ferramenta de consulta para que qualquer pessoa possa ter acesso à autonomia real dos veículos elétricos com base nos dados inseridos pelos associados em suas próprias experiências.

Quando a ferramenta for lançada, poderemos confrontar os números oficiais com os resultados reais. Nada melhor do que tirar a prova com o mundo real.

Então, meu caro leitor, fica uma simples sugestão. Se você deseja obter informações reais sobre a experiência com veículos elétricos, busque quem vive isso diariamente, o proprietário.

Até mais.

Fonte: IG CARROS