Fala, galera. Beleza? Nos últimos textos, falei bastante sobre as redes de carregamento, sistemas de transmissão, distribuição e matriz energética. Dessa vez, quero voltar para a origem, falar sobre a experiência do usuário.
Para quem não sabe, fui um dos primeiros motoristas de aplicativo no Brasil a usar um veículo elétrico. Durante as viagens que faço com meus clientes, a pergunta mais comum é: como você faz para carregar? Parece uma pergunta tão simples de se responder, todavia devemos nos lembrar que um ponto de carregamento pode ser tão pequeno quanto uma lancheira e nem sempre está bem-sinalizado. É de se imaginar que esse local passaria despercebido pela maioria das pessoas.
Sempre digo que toda tomada é um potencial ponto de carregamento, mas com seus devidos cuidados e sabendo da limitação de energia que ela pode entregar. A verdade é que o Brasil está se desenvolvendo rapidamente em relação a rede de carregamento, menos do que gostaríamos, mas ainda sim crescendo.
O ponto é que não temos uma base de dados oficial com a indicação de cada ponto de carregamento. Dessa forma, o usuário precisa ficar atento entre tantos aplicativos existentes, cada um com sua própria base de dados. Por exemplo: o aplicativo da Tupinambá Energia possui mais de 2.000 pontos de carregamento cadastrados , tanto os próprios quanto de terceiros, mesmo assim deve haver ainda mais pontos desconhecidos.
Entretanto, chegamos em um ponto com tanta demanda por carregamento que não basta saber onde há um carregador, é necessário saber a condição em que ele se encontra, se está disponível, ocupado ou mesmo fora de operação.
Além disso, quando estamos em locais públicos, nada melhor do que saber se o veículo realmente está carregando, o quanto de energia foi injetado e, por que não, obter um sistema de pagamento. Afinal, a onda de carregamento “na faixa” tem um objetivo claro e por tempo limitado, não deve ser considerada um direito sem prazo de validade.
Mas para permitir essa operação toda, não basta colocar um carregador que é apenas uma simples tomada que cresceu na vida. O carregador precisa ser gerenciável (ou smart, como gostam de dizer). Todavia, nem todo carregador smart é comunicável. Os equipamentos para uso doméstico permitem o gerenciamento via bluetooth, porém não seria o suficiente para uma operação de uso coletivo de forma satisfatória.
Para operações com diversos usuários em ambientes coletivos, como condomínios residenciais, comerciais, centros de compra, entre outros, é necessário a adoção de equipamentos gerenciáveis e que se comuniquem com os celulares dos usuários ou outras formas de autenticação.
E como acontece essa comunicação dos carregadores com os celulares dos usuários? Aí que entram em campo as empresas que atuam como CPO (Charging Point Operator), que lidam com o gerenciamento das estações de carregamento por meio de servidores e aplicativos.
O ponto é que o carregador de cada fabricante possui sistemas e firmwares próprios. Por conta disso, mesmo que cada carregador pense de forma diferente, eles precisam se comunicar de forma interpretável por outros equipamentos, com uma linguagem ou protocolo de comunicação.
Então quer dizer que todos os carregadores falam a mesma língua? Não é bem assim. Cada fabricante pode definir qual o protocolo de comunicação deseja utilizar, inclusive pode utilizar protocolos proprietários e de uso exclusivo. No Brasil, a regulamentação nº 1.000/2021 da ANEEL determina no Art. 552 que:
“Equipamentos de recarga que não sejam exclusivos para uso privado devem ser compatíveis com protocolos abertos de domínio público para:
I – comunicação; e
II – supervisão e controle remotos.”
A ANEEL não informa exatamente qual seria esse protocolo a ser adotado, porém, da mesma forma que o padrão europeu foi adotado com o principal plug de carregamento, o protocolo mais adotado pelos CPOs brasileiros é o OCPP (Open Charging Point Protocol). Atualmente a maioria dos equipamentos se comunicam na versão 1.6J, outras já estão se preparando para trabalhar com a versão 2.0.
São protocolos de comunicação como o OCPP que permitem aos servidores das empresas CPOs entenderem o que os carregadores estão informando, como tensão, energia consumida, nível da bateria do veículo (mais comum nos carregadores DC) e possíveis erros. Da mesma forma, os servidores dos CPOs também podem enviar ordens para os carregadores, como iniciar e encerrar carga, limitar tensão ou mesmo bloquear a carga a determinados usuários, conforme as regras estipuladas.
Do servidor CPOs, as empresas comunicam e recebem comandos dos aplicativos instalados nos celulares dos usuários e com as ferramentas webs fornecidas aos clientes que instalam os carregadores em seus estabelecimentos.
Ok, aí resolve o problema que consigo saber como estão as estações de cada empresa, mas me obriga a ter dezenas de aplicativos? Assim fica difícil me programar e saber onde parar. E tem mais, como vou saber quais as empresas que existem?
Bem, a partir desse ponto, vamos tratar de uma evolução na prestação de serviço que os CPOs precisam buscar. Pois exige uma decisão em trabalhar conjuntamente com outras empresas que poderiam ser consideradas concorrentes. Na prática, o usuário não precisaria ter um aplicativo de cada uma dessas empresas, pois a informação de todas as redes de carregamento é compartilhada. Para ficar mais claro, imagine que cada CPO seja uma empresa de celular que, em algum momento, a comunicação era exclusivamente feita através de suas antenas. Com a adoção do roaming de celular, os clientes de determinada operadora conseguiram se comunicar através da antena de outra operadora. Isso acabou com a necessidade de um cliente precisar de dois ou até mais chips.
Para acontecer essa troca de informações, além da própria comunicação em um protocolo comum, as operadoras devem compartilhar os dados dos carregadores através de outro protocolo chamado OCPI (Open Charging Point Interface).
O OCPI é uma interação já muito difundida entre os CPOs na União Europeia. O principal benefício, além de simplificar a consulta de pontos de carregamento, é evitar que o usuário precise baixar um aplicativo diferente em cada região que passa, uma vez que é comum termos com operações mais locais de cada empresa, ainda mais se considerarmos a atuação de empresas distribuidoras de energia, como a CELESC, NeoEnergia, EDP e Copel.
Diria que a integração de informação entre as operadoras seria o marco de amadurecimento do objetivo principal dessas empresas, que é oferecer a melhor experiência para o usuário. Não somente por realmente colocar o usuário no centro das decisões, mas porque essas empresas precisarão evoluir sua proposta de oferta de serviços muito além divulgação informar o local para carregamento.
Então, como uma empresa que compartilha suas informações com as demais poderia se diferenciar se várias empresas trarão a mesma coisa? Aí é que está o segredo do negócio: a criatividade. O que posso dizer é que a empresa que oferecer a melhor experiência para o usuário, conseguirá atrair mais pessoas para o seu aplicativo, mesmo que a recarga ocorra em uma estação de uma rede gerenciada por outra operadora.
Mesmo que o valor maior da recarga ou até a licença de software para operação do ponto de carregamento seja de outra empresa, para o cliente, o aplicativo de escolha dele é sempre o que trouxer experiência. Isso faz muita diferença em relação ao valor de uma empresa. Sejamos sinceros, não importa o ramo de atuação, toda empresa deseja ser a próxima Gillete ou Cotonete. Se meu exemplo não ficou muito claro, sugiro pesquisar sobre Branding.
Então, meu caro usuário, o que antes era apenas um carregador, hoje é um sistema de informação, amanhã será uma experiência muito além da proposta inicial. No final, o usuário é quem sai ganhando juntamente com quem souber trabalhar melhor.
Até mais.
Fonte: Carros