No fim do ano que passou, encontrei em um leilão de carros antigos o Mingo, um sujeito apaixonado pelos clássicos e responsável pela criação do já tradicional encontro da Estação da Luz , em São Paulo. Muito triste, ele me disse que seu evento mensal pode nunca mais voltar, mesmo depois de passada a pandemia. Torço para que ele esteja errado.
É que, uma vez por mês, eu acordava cedo no domingo e olhava pela janela para ver o céu azul. Sempre no primeiro domingo. Aí não havia desculpas para não pegar minha motocicleta e ir até a Estação da Luz, no centro de São Paulo. Era lá, em frente à antiga principal estação ferroviária da cidade, que se reuniam aficionados, como eu, por veículos antigos e históricos.
Desde cedo os automóveis clássicos iam chegando e estacionando de ré, um ao lado do outro, separados por marcas, categorias ou época. Tudo muito bem organizado, para que o público, que mescla adeptos do antigomobilismo com famílias que procuram o Parque da Luz por sua beleza e tranquilidade, pudessem admirar de perto um automóvel mais bonito que outro. E, em menor quantidade, mas não em menor qualidade, também as motocicletas clássicas .
Para lembrar os bons tempos desses domingos de sol, tempos esses que não estão assim tão longe, fiz uma seleção das melhores motocicletas que estiveram no Parque da Luz em uma dessas ocasiões. Nesse domingo em especial, o dia estava tão belo que havia, até, um simpático cumprimento de bom dia, escrito no azul do céu.
Entre muitos carros, a primeira motocicleta com a qual me deparei é um antigo desejo meu, a Yamaha R5, de 1971. Essa motocicleta é a precursora da temível Yamaha RD 350, a viúva negra, que chegaria em 1973 e que tomou o lugar da R5 na minha lista de desejos.
Logo em seguida, uma Yamaha F5 de 1968, igual àquelas que eu namorava antes de ter a minha primeira motocicleta. Essa popular motocicleta foi a base de uma importante porém pouco conhecida motocicleta, a Yamaha YG5T Trailmaster, de 80 cm3. Foi uma incursão da marca nos modelos para fora de estrada, pois tinha pneus lameiros e duas coroas, para que o piloto pudesse encurtar a relação e enfrentar caminhos mais difíceis. Tenho uma dessas em fase de montagem.
A motocicleta seguinte é um raro modelo italiano, difícil de se ver por aí: uma MV Agusta 250 B Sport de 1969, bicilíndrica. A MV Agusta passou a ter importância histórica e mundial graças ao piloto italiano Giacomo Agostini, 15 vezes campeão mundial em diversas categorias, correndo muitas vezes de MV. Onde será que anda essa motocicleta atualmente?
Alguns passos adiante, mais raridade, uma Leonette Esporte de 1962. Essa simpática motocicleta também foi extremamente desejada pelos adolescentes do início dos anos 60, antes da invasão japonesa, e, acreditem, era fabricada no Rio de Janeiro. Notem os pedais auxiliares, como em bicicletas. Naquela época, esse detalhe, que depois passou a definir essse modelos como ciclomotores, permitia que jovens de 15 anos pilotassem sem habilitação.
Mas vamos voltar às japonesas. A Honda CB 360 foi muito popular nos anos 70, principalmente por sua beleza. Essa motocicleta inaugurava uma nova tendência de estilo, com linhas mais angulares e os escapamentos apontando para cima. Ela substituiu em 1974 a robusta Honda CB 350, mas manteve a fama de lenta, pois invariavelmente perdia no desempenho para suas rivais de mesma cilindrada mas com motores dois tempos.
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Se a Honda CB 360 foi logo desprezada pelos próprios amantes da marca, que passaram a cultuar a pequena Honda CB 400 Four e seu tão desejado motor de quatro cilindros, as icônicas e maiores “Four” jamais perderam a majestade. A rainha delas é a Honda CB 750 Four, modelo que marcou a divisão entre as motocicletas antigas e as modernas, em 1969. E a princesinha é a Honda CB 500 Four, bem mais mansa porém muito mais gostosa de ser pilotada, devido à maneabilidade que sua “mãe” nunca teve. A CB 500 Four teve vida curta, pois foi produzida apenas de 1971 a 1973.
Mesmo com toda essa realeza, a Honda CB 750 Four foi subjugada pela Kawasaki Z1, que chegou em 1973. Conhecida como “Kawasaki 900”, essa motocicleta era superior em tudo, na potência, na tecnologia e na dirigibilidade. E no preço: por esse motivo a “Sete-Galo” continuou reinando e a Kawa se tornou um sonho. Nesse dia na Luz havia uma sucessora da Z1, a Kawasaki Z1000, ao lado de uma Galo, atualizada com uma suspensão dianteira de Ninja.
E mais um pouco à frente, uma das primeiras Honda CB 750 Four, ainda com a lanterna traseira oval. Nos dois primeiros anos, a Honda CB 750 Four K0 e K1 tinham algumas sutis diferenças em relação às versões que viriam a seguir, como os suportes do farol na cor do tanque e as luzes indicadores do painel dentro dos relógios.
Circulando pela área, um urso de circo, digo, um senhor passeava com sua pequena Yamaha FT-1 Mini Enduro que, de tão pequena, realmente o fazia parecer um urso pedalando. Outra de minhas tão desejadas motocicletas, a Mini Enduro fez extremo sucesso no mundo todo por ser uma réplica em escala das valentes trail da Yamaha, com motor de 50 cm3 com o carburador embutido na carcaça do motor e câmbio de quatro marchas.
Em 1974 a Mini Enduro evoluiu para a GT 50 e depois GT-80, ficando ainda mais fiel às grandes trail. Se na época eu não tive uma Mini Enduro, porque já tinha uma motocicleta com o dobro do tamanho, hoje tenho uma, restaurada do zero a partir de uma unidade utilizada para o motocross mirim.
A motocicleta seguinte é uma jóia da tecnologia da época: uma Honda CB 900F Bol D’Or. Uma das evoluções da Honda CB 750 Four, a CB 900F Bol D’Or se deu especialmente bem nas pistas, na categoria que precederam a Superbike. Seu melhor atributo, além da beleza esportiva, era o motor de quatro cilindros DOHC, cujos comandos de válvulas se destacavam visualmente resultando em um motor de extrema beleza.
Por fim, outra motocicleta que sempre considerei uma das belas simplicidades do início dos anos 70. É a Suzuki GT 250, bicilíndrica dois tempos cujo motor se destaca pelos cabeçotes planos, devido ao sistema de refrigeração a ar chamado Ram Air System. E na hora de ir embora, notei que, modéstia à parte, a mais bonita motocicleta do dia era exatamente a minha, uma Honda CB 750 Four K2 de 1972. Olhos de pai…
Bem, meio dia chegando, pátio esvaziando. Rapidamente os automóveis, as motocicletas e seus proprietários vão deixando a Estação da Luz, tomando o caminho de casa. É que domingo é domingo, e ninguém quer perder o macarrão da “mamma”.