Assim como na edição do Rio de Janeiro, a Paralimpíada de Tóquio terá briga por medalhas em 22 modalidades. A diferença é que, no Japão, parataekwondo e parabadminton substituirão a vela adaptada e o futebol de 7 (para atletas com paralisia cerebral). E é nessa modalidade, na qual o Brasil conquistou medalha de bronze na Rio 2016, que vamos nos ater. O futebol de 7 é tradicional dentro do movimento paradesportivo nacional e corre risco de acabar por falta de recursos.
O futuro da modalidade foi colocado em xeque após uma reunião do IPC (Comitê Paralímpico Internacional) em 31 de janeiro de 2015. À época presidente do IPC, Sir Philip Craven alegou que o futebol de 7 “não atingia critérios mínimos de alcance global” estabelecidos pelo Comitê: ser praticado regularmente em pelo menos 24 países e três continentes, no caso de esportes coletivos.
Instituída em 16 de julho de 2011, a Lei Agnelo-Piva (número 10.264) prevê atualmente a destinação de 2,7% da arrecadação bruta das loterias federais em operação no país (descontadas as premiações) ao CPB e ao Comitê Olímpico do Brasil (COB). Há quatro anos, a entidade viu subir de 15% para 37,04% a quantidade de recursos recebidos, que são aplicados no programa paralímpico, do qual não faz mais parte o futebol de 7.
No Brasil, a modalidade é gerenciada pela Associação Nacional de Desporto para Deficientes (Ande), voltada ao futebol de 7 para pessoas com paralisia cerebral. A instituição também cuida da bocha – que segue na Paralimpíada e é favorecida pela Lei Piva – e da petra, ou race running, modalidade em que os atletas correm com apoio de um equipamento que lembra uma bicicleta, com três rodas mas sem pedais.
A Ande, porém, vem enfrentando dificuldades para captar recursos para o futebol de 7. Para complicar, na última assembleia do IPC, em setembro do ano passado, foi rejeitada a proposta de retorno do esporte aos Jogos de Paris, na França, em 2024.
“Para 2020, o recurso da Ande (para o futebol de 7) é zero”, resumiu o presidente da entidade Artur Cruz. “Temos corrido o Brasil inteiro (atrás de recursos). O CPB não pode fazer o repasse mas, em questão de estrutura, eles nos disponibilizam, por exemplo, o Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo. Mas, até para reunir a seleção, a gente não tem dinheiro. A comissão técnica e os atletas vêm de vários lugares do país. Tínhamos esperança de que (o esporte) voltasse em Paris, assim conseguiríamos manter o investimento para desenvolvimento das seleções principal e sub-19, mas não aconteceu”, acrescentou.
Até ano passado, como a modalidade ainda fazia parte dos Jogos Parapan-Americanos de Lima (Peru), houve recursos para viabilizar a participação da seleção em competições internacionais. Além do ouro em Lima, o Brasil alcançou o terceiro lugar no Mundial de futebol de 7 ano passado na Espanha onde, em 2018, também fora campeão do mundo na categoria sub-19. Na temporada de 2019 também foi possível realizar os campeonatos nacionais da 1ª e 2ª divisões.
Para este ano, a seleção de futebol de 7 tem pela frente a Copa das Nações, que reúne o país-sede (Itália) e os sete melhores do último Mundial. A participação, porém, depende de ter dinheiro. Em entrevista ao site “Olimpíada Todo Dia”, o diretor técnico da Ande, Leonardo Baideck, estimou serem necessários cerca de US$ 90 mil (ou R$ 360 mil) para arcar com a taxa de inscrição, que é de 1.250 euros (pouco mais de R$ 5,8 mil) e as despesas com transporte, hospedagem e passagens aéreas para 20 pessoas (14 atletas e seis membros de comissão técnica).
A realização dos campeonatos nacionais para 2020 também é uma incógnita. A entidade tenta viabilizá-los por meio de um projeto de Lei de Incentivo ao Esporte. Cerca de R$ 2 milhões já foram aprovados, o que significa que podem ser captados pela Ande junto a empresas e pessoas físicas que optaram por abater parte do valor devido de imposto de renda (limitado a 1% no caso de empresas, e a 6% para pessoas físicas). Segundo Artur, cerca de 490 atletas estão aptos a competir. Isto sem considerar o grande número de jovens em idade escolar e as equipes que ainda não estão cadastradas na Ande, mas já manifestaram interesse de competir. Levando em conta todos os interessados, a estimativa é de que entre 550 e 600 jogadores possam participar dos torneios.
“O triste é que, infelizmente, se continuar assim, a modalidade pode acabar extinta, com os atletas procurando outros caminhos. E me entristece ainda mais porque fui um dos que começaram com o futebol de PC (paralisia cerebral, como o esporte também é conhecido) por aqui, com o professor Ivaldo Brandão”, lamentou Hélio dos Santos, que até ano passado era coordenador da seleção.
Uma esperança, de acordo com o presidente da Ande, é a manutenção do futebol de 7 no programa do Parapan 2023, que será disputado em Santiago, no Chile. “Houve uma reunião na semana passada, mas ainda não decidiram a permanência. As chances são grandes. Não sei se, mesmo ficando no Parapan, o CPB consegue garantir o repasse. Cheguei a tocar nisso por alto com o presidente (do CPB, Mizael Conrado)e a gente ficou de ver isso, no caso de o futebol seguir”, afirmou.
E vai além
“Muitos patrocinadores ainda não querem atrelar o nome a um esporte de pessoas com deficiência”, constatou Hélio dos Santos, da Ande. “Isso apesar de o futebol de 7 ser vitorioso e trazer visibilidade”, continuou. De fato, com exceções, o paradesporto ainda encontra dificuldades para atrair apoiadores do setor privado. Em especial, as modalidades que hoje não integram o programa dos Jogos Paralímpicos são as que mais sofrem com escassez de recursos e menor visibilidade.
A seleção brasileira de futsal para atletas com síndrome de Down, por exemplo, corre contra o tempo para conseguir disputar o Trisome Games: a “Olimpíada” para atletas com essa deficiência, que acontecerá de 31 de março a 7 de abril, na cidade de Antalya, na Turquia. A equipe é a atual campeã mundial, tendo vencido a Argentina na final da última edição, em Ribeirão Preto (SP), ano passado, com recorde de público. No entanto, como ainda não atraiu apoiadores na busca pelos R$ 256 mil necessários para custear a ida à Turquia, está apelando para uma “vaquinha” virtual para participar da competição.
“Estamos nos preparando [no CT Paralímpico] com fé de que vamos conseguir os recursos, mesmo em cima da hora. Temos nos surpreendido, as pessoas vêm acreditando, ajudando. Espero que até dia 5 de fevereiro, que é o prazo que a federação internacional nos passou, consigamos esse recurso e possamos, pelo menos, levar esses meninos [ao Mundial], para que conheçam outro país, outra cultura, porque eles merecem”, explicou o técnico da seleção Cleiton Monteiro ao repórter Juliano Justo, da TV Brasil.
O futuro das modalidades vai além do fato de o Brasil ter representantes em diferentes competições. Para crianças, jovens e adultos envolvidos o esporte é uma ferramenta importante de integração, aprendizado (com vitórias e derrotas), convivência (com parceiros e rivais) e inspiração. Ao mesmo tempo, tais valores são transmitidos à sociedade e, portanto, podem ser relacionados a quem vincula sua imagem à alguma modalidade. Se uma porta se fechar, não se pode dizer que o atleta se adaptará a outra prática apenas só por esta também ser adaptada a sua deficiência. Há casos? Sim, mas exceções, não a regra.
Garantir a continuidade dessas iniciativas vai além dos resultados, uma vez que o acesso ao esporte é um direito, não necessariamente por objetivos competitivos. A conquista de medalhas e troféus é a consequência.